Sociedade
O futuro não está no instagram
A estratégia de promoção da cidade através dos eventos também não parece resultar por aí além
Se perguntares a um habitante, que não seja originalmente de cá, que característica destacaria como mais identitária dos leirienses, ele, muito provavelmente, dir-te-á que é: termos a mania. Será?
Por muito que custe aos pseudo-intelectuais que só sabem dizer mal, Leiria está realmente muito melhor do que há uns anos. É visível. E por muito que custe aos adeptos do caminho que vimos seguindo, deve-se dizer que todas as cidades o estão e que as notícias de que somos os melhores das galáxias e arredores são manifestamente exageradas. Temos a final four. Uma ciclovia. Houve
alguma reabilitação de edifícios e algumas obras estruturais que eram necessárias. Sim, estamos muito bem localizados, temos pleno emprego e sim somos uma cidade segura.
Ao nível do fervilhar que tanto nos caracteriza somos a cidade com as melhores iluminações natalícias na votação efectuada por bots para uma revista de lifestyle Lisboeta. Temos a maior feira franca do mundo e também de Portugal, se esquecermos a Feira de São Mateus e a de São João e as outras que os especialistas em carrocéis e farturas conhecerão. No capítulo dos espectáculos estamos também superlativamente incríveis. Estamos, por exemplo, na posição rara de quem tem dinheiro para fazer cantar um cego, contrariando assim ditados populares muito antigos. Conseguimos também o feito de meter mil músicos a tocar juntos sem se chatearem uns com os outros e entrámos assim, mesmo que não saibamos o que isso significa, no campeonato dos Coldplay. Temos também uma soberba feira medieval capaz de envergonhar qualquer outra cidade moderna. Possuímos fenómenos geográficos raros como ilhas que não estão rodeadas de água. E anualmente somos agraciados com um festival automóvel que traz gente de todos os cantos do concelho e alguns autocarros de Mira de Aire. Nos tão apetecíveis rankings, em 2015 fomos considerados por uns senhores de consultoria com nome anglo-saxónico a 3.ª melhor cidade do País para viver e em 2022 descemos para 10.º mas terá sido falha clamorosa do VAR que não valorizou o número de tendas erguidas por fim-de-semana nem os nossos magníficos “standers” automóveis em cima de calçada portuguesa.
Leiria, está, para a maioria dos seus visitantes, com uma dinâmica avassaladora. E isso, fora de brincadeiras, é bom e importante. Mas há factos que a percepção, mesmo sendo uma palavra muito em voga nos dias de hoje, não derruba. Ora vejamos, e só no campo de coisas que fui ouvindo, como metas, ao longo de 20 anos a trabalhar neste jornal: o aeroporto de Monte Real foi ao ar. O politécnico ainda não é universidade. O hospital tem mais urgências em captar médicos do que a fazê-los nascer nas suas instalações. A história dos efluentes suinícolas bateu todos os milagres de resistência a atentados ambientais. Não temos um hotel de 5 estrelas. O multiusos colapsou. A Capital Europeia da Cultura em 2027 foi adiada. O topo norte não está assim tão tecnológico. O trânsito está caótico e a rede de transportes, dizem, é deficitária. Não vejo painéis solares nos edifícios públicos. O corte de trânsito automóvel no centro histórico revelou-se proibido. E, tendo em conta o magro dossier de clipping retirado de meios de comunicação de referência nacional, a estratégia de promoção da cidade através dos eventos também não parece resultar por aí além, mesmo a narrativa vigente de que esses eventos fomentam o comércio local carece de certificação científica. Como é óbvio, algumas destas questões são difíceis de resolver, outras até dependem do poder central e algumas, felizmente, estão em processo de resolução.
Para mim somos a cidade possível e a que merecemos como comunidade, umas vezes maravilhosa outras vezes ranhosa. Talvez sejam todas assim. Se calhar a nossa grande característica é mesmo a mania. Só isso justifica a falta de noção que é armarmo-nos em super cidade quando lá atrás, à vista dos foguetes, dormem pessoas em tendas. E se vos passou pela cabeça algo do género: “Ah! mas isso são ciganos.” Recordo-vos que o ano é o de 2025. Não há gabinete de comunicação que contrarie isso. É um facto.