Sociedade

Jorge Calvete: "uma nomeação aleatória do administrador de insolvência deixa os credores desconfortáveis"

27 out 2016 00:00

Começou na Marinha Grande, estabeleceu-se em Leiria, depois cresceu para Lisboa. Hoje está entre os gestores judiciais mais requisitados no País.

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Os administradores de insolvência são frequentemente confrontados com irregularidades?
Há uma percentagem de insolvências que tem como origem actuações incorrectas e que naturalmente culminam em insolvências consideradas culposas. Não é uma percentagem grande, até porque não é nas pequenas e médias empresas que a fraude circula. Uma insolvência dolosa é um processo programado para ser declarado insolvente. A percentagem não é grande em termos de número de insolvências, [mas] em termos de volume de capital, e relevância para a economia, pode considerar-se que é um caso interessante de ser estudado e analisado. Subsiste sempre a dúvida, quando são causados grandes prejuízos aos credores, se são actos de má gestão ou se há má intenção, mas dificilmente se consegue comprovar actos de dolo.
 
Com o novo enquadramento legal, inicado em 2012, está mais fácil recuperar empresas?
Não. Nunca são as legislações mais para a esquerda ou mais para a direita que recuperam as empresas. O que recupera as empresas são os negócios que desenvolvem.
 
Para vós, enquanto profissionais, é indiferente liquidar a empresa ou manter o processo a decorrer?
É muito mais gratificante ter uma empresa recuperada do que andar a vender equipamentos para sucata.
 
E do ponto de vista financeiro?
Também. Do ponto de vista financeiro é mais interessante recuperar do que liquidar uma empresa. 
 
Embora sejam remunerados com uma percentagem do valor do activo que conseguem liquidar.
Ponderado com a satisfação dos credores. Num plano de recuperação da empresa, temos uma remuneração para a elaboração do plano de insolvência e uma remuneração para a fiscalização da implementação do plano, que pode ser muito mais interessante e relevante. Além do mais, a longo prazo, se for visto como um recuperador de empresas, tenho muito mais a ganhar do que se for visto como um indivíduo que entrega equipamentos para sucata para vender. Numa óptica de longo prazo, um recuperador de empresas vai ter sempre um lugar de consultor privilegiado e de interlocutor. 
 
E ainda se ganha muito dinheiro nesta actividade?
Não sei o que é ganhar muito ou pouco. Se trabalhamos com recuperação de empresas e se a economia tem empresas em dificuldades, e tivemos um boom de empresas em dificuldades, é natural que tenhamos mais trabalho e consequentemente mais facturação. 
 
Tem tido muitos processos e muitos processos com empresas conhecidas. Por que acontece um grupo pequeno de administradores de insolvência receber uma quantidade grande de processos?
Do meu ponto de vista tem a ver com o capital de confiança que é criado entre o administrador judicial e a maior parte dos credores. Quem nomeia o administrador judicial é o juiz. Quem pode indicar o administrador judicial é o requerente da insolvência, seja ele credor ou devedor. Muitas vezes o maior credor, ou os maiores credores, dizem que se deve indicar o administrador judicial a, b ou c, porque é alguém em quem confiam, que tem equipa de trabalho, que está disponível e responde às solicitações, que tem experiência em processos de alguma dimensão.
 
O resultado disso não é que depois, na prática, os processos estão nas mãos de um grupo reduzido de administradores de insolvência?
Sim. Penso que nós somos 350, haverá 50 ou 60 que têm a maior parte dos processos. 
 
E isso é bom ou mau?
Se os credores continuam a entender que devem ser determinados administradores de insolvência a gerir determinados processos é por duas razões: primeiro, porque com esses administradores de insolvência sabem com o que podem contar; segundo, porque já aconteceu que processos de grande dimensão tramitados por outros colegas não devem ter corrido tão bem. Naturalmente, uma nomeação aleatória deixa os credores, de certa forma, desconfortáveis.
 
Às vezes fica-se com a sensação de que é uma profissão fechada, de acesso restrito.
E é. Porque, incompreensivelmente houve aqui um período de quase 11 anos em que ninguém entrou na profissão, porque não havia concursos para entrar. Isso só nos prejudicou. Veio agora uma vaga de 70 novos colegas, quando a classe devia ter sido rejuvenescida ao longo dos anos.
 
Quantos processos activos tem atribuídos neste momento?
À volta de 200.
 
Como é que se gerem 200 processos ao mesmo tempo?
Uma grande maioria tem todo o nosso trabalho concluído e só estão abertos porque falta o acto de pagamento que depende do trânsito em julgado de uma sentença. Em aberto, concretamente, tenho 20 ou 25 processos que precisam da minha intervenção séria. 
 
Que direitos e interesses cabe ao administrador de insolvência defender?
Há duas funções fundamentais: administrador judicial provisório, que actua no âmbito de processos especiais de revitalização e na recuperação de empresas; e o administrador judicial que actua na liquidação de empresas, que pode propor medidas de recuperação. O administrador tem sempre a obrigatoriedade de defender os interesses dos credores e servir de ponto de encontro entre os interesses dos credores e dos devedores. Quando se trata de medidas de liquidação pura e venda dos activos da empresa, estamos simplesmente a defender os interesses dos credores.
 
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