Opinião
Os Homens na Cidade de Deus
A ética é, incondicionalmente, o cultivo da contenção do poder
A Cidade de Deus é uma das obras mais notáveis de Santo Agostinho, na qual o teólogo e filósofo cuja escrita remonta aos primeiros séculos do cristianismo, nos descreve um mundo dividido entre o dos Homens (o mundo terreno) e o dos céus (o mundo espiritual), sugerindo que há dois tipos de política: a do «poder do amor», que designa de “Cidade de Deus”, e a política do «amor pelo poder», que ele denomina de “Cidade dos Homens”.
Na obra, está subjacente a forma como o «poder» e o «amor» se interrelacionam. Utopicamente concebida, a política do «poder do amor» poderá definir-se como a arte da jardinagem aplicada à causa pública. O trabalho manual e braçal na jardinagem, sustenta-se na arte e na técnica que visam estabelecer o equilíbrio entre o Homem e a Natureza.
Os jardins são espaços modelados pelo amor para que sejam aprazíveis, seguros e belos. Aí o medo não tem lugar. E os sentidos são instigados no corpo, pelo vigor que emana das plantas e das árvores, perante as quais o Homem se harmoniza, como cúmplice dessa disposição. Neste estado político, o poder é recurso e instrumento do amor: é esse o propósito da ética.
A ética é, incondicionalmente, o cultivo da contenção do poder. Ao invés, congeminada deliberadamente, a «política do amor pelo poder» é o rol de artimanhas que tem por finalidade afirmar a potência de um grupo sobre um determinado terreno ou «cidade». Nessa política, trasvestida com a máscara da democracia, os sonhos de amor estão subjugados aos engenhos do poder. O que significa que na “Cidade dos Homens”, o poder e o deus do dinheiro, são os supremos valores, não havendo nela espaço para vasos, canteiros ou terras, onde consiga semear-se ou cultivar-se a ética.
Ora, como constatamos, na “Cidade dos Homens” juntar ética e falácia, quando dinheiro e poder infestam os jardins, leva a que os jardineiros se conformem com a desonestidade dos fanáticos e a prosápia dos incultos. A loucura do Estado é legitimada por destros, moderados e canhotos, que enterram socialisticamente os cidadãos.
Não é possível fertilizar a ética com o poder enraizado na terra. Porque o poder não conhece limites. E estende as raízes, para a esquerda e para a direita, para cima e para baixo. É insaciável. Medra cada vez mais. Quer ser soberano. A ética é uma praga para essa ambição. Os vermes e os parasitas estão à espreita, prontos a fazer as suas vítimas. «A loucura é rara em indivíduos – mas é regra em grupos, partidos, nações e eras.» (Nietzche)