Opinião

Desintervenção

22 nov 2025 16:20

Tenho a opção de me posicionar sobre a luz que quero, fazer a música que quero, escolher as causas que quero e que não quero

Com tanto a apontar ao mundo temos a tendência de sobrevalorizar o nosso real alcance enquanto músicos e “artistas”.

Muita gente ficou “desiludida” com o facto de eu recordar as vítimas judias e gentias dos ataques islamitas no meu último artigo. Não me importa, são sinais dos tempos e da pressa que, especialmente pessoas do campo das artes, têm de hastear bandeiras, nem sempre pelas razões certas, nem sempre com as convicções sustentadas pela razão dos factos, nem sempre com a intenção altruísta que lhes incha as velas da “mudança”.

Houve uma altura em que, com certeza, a música teve um efeito concreto na mudança, que não só o de ser senha, contrassenha, banda sonora. Não me cabe a mim bater com a mão no peito, reivindicar a herança de Zeca ou de Jara (que pagou com a vida), para os tempos que se viveram e que se vivem. Mas tenho a opção de me posicionar sobre a luz que quero, fazer a música que quero, escolher as causas que quero e que não quero.

Tenho a responsabilidade de não entrar numa equação à qual nada acrescento, de não vestir o manto do idiota útil que, “intifando”, engrossam o valor financeiro, na ordem dos milhões, de activistas, terroristas e políticos profissionais do “faz o que eu digo, não faças o que eu faço” que tão bons amigos tem sido da extrema-direita, radicalizando milhares de pessoas comuns.

A mim, compete-me o desígnio de Cioran: sobreviver por hábito.

Observar que demasiados gritos, tornam o mundo mais surdo; que demasiada “acção”, torna o mundo mais perro.

Digam-me o que tem mudado com tudo isto, o que irá mudar e como a música actual dos contratos 360 com a Live Nation, o golden circle, o hotel de cinco estrelas na estrada, o melhor restaurante da aldeia, e o burguês tratamento do artista nacional que condena a fome na Palestina enquanto come o seu sushi no camarim do Coliseu, é um agente concreto na mudança que se impõe.

Às vezes mais vale escrever sobre lobos, vampiros e amor imortal e doentio.

Também há todo um mundo lá fora a precisar dessa fantasia.