Opinião
Da Sibéria para Portugal
Foi a União Europeia que escolheu alinhar-se com os EUA nas sanções à Rússia e foi a Europa que perdeu o acesso ao gás que alimentava a sua indústria
A construção do gasoduto Poder da Sibéria 2, que ligará a Rússia à China, marca uma viragem estrutural no fornecimento energético mundial. O gás barato que durante décadas alimentou a indústria europeia e assegurou, em particular, a competitividade de países como a Alemanha, não voltará. Essa energia, que sustentava também a economia portuguesa de forma indireta, será agora canalizada para o Oriente. A Europa perdeu uma vantagem estratégica e viu-se obrigada a recorrer a alternativas mais caras e menos seguras, sobretudo o gás natural liquefeito norte- -americano.
As consequências estão à vista. Empresas europeias enfrentam custos energéticos muito superiores aos da Ásia ou dos EUA, perdendo capacidade de competir em mercados globais. Portugal, apesar de não depender diretamente do gás russo, paga a mesma fatura: setores como a cerâmica, o vidro e a metalurgia registaram aumentos de custos superiores a 300% em 2022.
A Vista Alegre Atlantis e a SPAL foram forçadas a parar fornos; na Marinha Grande, o vidro chegou a ter a energia a representar 40% do custo de produção. A agricultura também não escapou. O preço dos fertilizantes subiu 149% e o gasóleo agrícola encareceu 60%, tornando insustentável a produção de cereais no Alentejo e reduzindo margens em setores como o do leite. Muitos agricultores reduziram áreas cultivadas ou abandonaram a atividade. Nos transportes, as empresas de mercadorias enfrentaram aumentos de 30 a 40% no gasóleo, com várias PME à beira da insolvência.
As famílias portuguesas sofreram igualmente o impacto. A inflação atingiu 7,8% em 2022, a mais elevada em 30 anos. A fatura da eletricidade subiu cerca de 40% e os combustíveis ultrapassaram os 2 euros por litro. Salários e pensões, já baixos, perderam poder de compra, aprofundando o empobrecimento e as desigualdades.
É importante realçar que estas transformações não podem ser resolvidas apenas em Lisboa. As decisões sobre energia, comércio e agricultura são definidas em Bruxelas. Foi a União Europeia que escolheu alinhar-se com os EUA nas sanções à Rússia e foi a Europa que perdeu o acesso ao gás que alimentava a sua indústria. Portugal pode mitigar, mas não inverter, estas consequências.
O Poder da Sibéria 2 simboliza a nova realidade: a energia que antes vinha para a Europa agora alimentará a China. Sem uma estratégia clara definida em Bruxelas para garantir competitividade, apoiar setores produtivos e proteger consumidores, países como Portugal continuarão a pagar o preço de uma Europa mais frágil, dependente e sem autonomia.
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990