Opinião

A noite de todas as promessas

31 dez 2021 11:29

Que 2022 seja um ano diferente no que cada um de nós puder e conseguir fazer por si e pelos outros

Escrever a última crónica do ano é um caso sério. Por este tempo os jornais enchem-se de balanços do intervalo de tempo que termina: os factos mais relevantes, as grandes decisões, as figuras mais destacadas, não vá acontecer que nos esqueçamos do que aconteceu. 


Acredito que as redações dos periódicos façam deste exercício anual um convite para um tempo de reflexão, qualquer coisa do género: - Estão a ver?! Este ano a coisa aconteceu assim: houve descobertas e avanços fantásticos do conhecimento para o bem comum, mas também se cometeram crimes irreparáveis para todos nós; tomaram-se decisões muito acertadas e outras que mais valia que os decisores nesse dia não se tivessem levantado da cama; este e aqueloutro deram provas de uma generosidade sem limites, mas, infelizmente, um punhado de patifes sem pinga de honestidade prejudicaram-nos coletivamente e vamos penar mais uns anos para liquidar os roubos que lhes convieram por ganância própria. 

Quero acreditar que, pelo menos, enquanto dura a leitura a coisa tenha alguma ressonância em cada um, que haja um ténue rebate de consciência, quase em surdina, mas que recorde o que poderíamos ter feito de melhor, ou o que não fizemos por acreditarmos que outros o fariam por nós, o que vem a dar no mesmo. 


Creio até que nesse momento e intimamente haja um resquício de vontade de alterar o estado das coisas, de sermos mais ativos e participantes, de nos comprometermos com a vida. Talvez mesmo considerar incluir essa vontade nos desejos que gostaríamos de ver cumpridos e para os quais nos propomos no ano seguinte. A chatice é que o momento da passagem de ano é sempre uma imensa barafunda. 


Entre contar as passas que abocanharemos na hora exata, abrir a garrafa de vinho esponjoso, verter o borbulhante líquido para os flutes, beijar os filhos, a mulher, a sogra e o cão, ler, responder e enviar as mensagens que entopem os telemóveis, subir para uma cadeira e pôr um pezinho no ar, espreitar o foguetório de artificio, formular doze pedidos ou intenções no decurso das doze badaladas, prometer solenemente que a partir do dia seguinte iniciaremos uma dieta e iremos começar a fazer exercício, afivelar a alegria postiça, e lá se esquece a tão generosa pretensão. Que havemos de fazer quando a carne é fraca, a gula pelo leitão é maior, a memória se esvai no tempo de um fósforo e aquela não é hora de pensar em assuntos sérios?

Da ressaca da noite longa sobra um montão de louça para lavar, mil migalhas para aspirar da carpete e dos intrínsecos do sofá, garrafas para despejar no ecoponto e uma sacada de lixo para o contentor que abarrota com os destroços de outras tantas festas. Abre-se o frigorífico e é um oásis de taças e tacinhas com sobras – é um crime estragar-se, pois é, o melhor é começarmos a dieta no dia seguinte ou até mesmo no outro que se segue a esse. E neste adiar para amanhã o que poderia ter feito ontem, lá vamos caminhando titubeantes para um novo ano, novinho em folha, procrastinando intenções.

Que 2022 seja um ano diferente no que cada um de nós puder e conseguir fazer por si e pelos outros.