Opinião

A Ditadura do Humor

15 fev 2025 16:37

À falta de matéria, faz-se humor fácil e violento, com a sempre elástica desculpa da liberdade de expressão

Eu sei que precisamos muito de rir. Que é para não chorar. Mas o humor tem ganho uma dimensão, uma importância desmedida na indústria de entretenimento do nosso País, queimando praticamente toda a terra à sua volta, onde dantes floresciam outras artes como, em especial, a música e o teatro.

As manhãs da rádio saltaram para os palcos, os humoristas fazem tournées de teatros, e para além da componente ao vivo, monopolizaram muitas das campanhas publicitárias e espectáculos corporativos. Como em todas as manias, o critério de qualidade diminuiu e apesar de gostos não se discutirem (se bem que, na verdade, não se discuta outra coisa) vejo-me a observar, a toda a hora, pessoas sem graça a conquistarem públicos também eles sem graça.

À falta de matéria, faz-se humor fácil e violento, com a sempre elástica desculpa da liberdade de expressão que justifica piadas fáceis sobre os que partiram, sobre os desadaptados, sobre os indefesos, que não têm nem resposta pronta, nem estatuto social ou económico para darem o devido troco.

Ultimamente, por falta de assunto, há uma guerra intestina entre humoristas que não dá quartel, nem olha a meios. Ele é “piadas” sobre a vida sexual das pessoas, sobre parentes falecidos, sobre deficiências corporais e se todos nós as fazemos em privado, quem nunca, não me parece trazer bem ao mundo tornar o que dizemos entre amigos, num espectáculo e numa profissão.

Finalmente, agora é regra quase geral quando convidam um músico para um programa de televisão ou rádio, pedirem para “desmontarem o boneco”, fazerem um número ou um apontamento de humor. No tempo disponível, falamos tudo de música e se puxamos esse assunto, corremos o risco de ser chatos e quadrados, ou, in extremis, não sermos convidados.

Já todos tivemos os nossos momentos de humor certo. A minha banda tocou o Noddy nos Gato Fedorento. Foi giro mas passou. O humor é o momento. E tudo o que é demais, é moléstia. A música são todos os momentos. Eternos como a dor que os define. Haja também espaço para a tristeza.