Viver

Uma carta para vocês, do futuro

14 jul 2016 00:00

Olá meninos, como estão? Espero-vos de saúde, cheios de sucesso e de sonhos realizados. Daqui escreve-vos o vosso pai, directamente do longínquo ano de 2016.

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Bem sei que está tudo na internet e que os jornais (se ainda existirem) esporadicamente enaltecerão o feito que este pequeno país conseguiu ao vencer o Campeonato da Europa de futebol, mas não contarão as coisas como elas realmente aconteceram.

Eu quero-vos pessoas informadas, portanto aqui vai o meu momento comentador de futebol, profissão na moda aqui na minha época: Ganhámos mesmo, foi incrível! Fomos campeões da Europa! Foi uma vitória da união, do querer, do sofrimento e da fezada total.

Na França, na terra onde os tugas eram mais tugas e onde nasciam os sonhos do menino Tony, no primeiro Euro com todos os países da Europa, conseguimos calhar logo no grupo dos mais toscos. Islândia, Áustria e Hungria eram os nossos temíveis adversários.

Conseguimos três grandes empates. Contra os primos dos Sigur Rós, na primeira vez em que eles jogaram à bola participaram numa grande competição de futebol, e mesmo tristes por terem deixado as suas verdadeiras profissões, como amestradores de elfos, limpadores de vulcões ou membros de uma banda esquisita, os rapazes da Islândia foram intransponíveis.

Contra a Áustria foi empolgante e electrizante, mas adormeci. Chegou a hora de sermos bons portugueses e resolver o problema com muitas contas e mesmo no fim.

A Hungria era o adversário e tínhamos de perder e esperar que os outros cepos conseguissem um empate com sete golos para sermos eliminados, coisa que mesmo assim quase conseguimos. Com mais um glorioso empate e abençoados com a ignorância da Islândia, que não conhecia as regras do torneio e decidiu querer marcar golos mesmo até ao fim da jornada, lá passámos em terceiro do grupo e, no lado bom (o dos aselhas) do sorteio, chegámos à fase a eliminar.

Contra a Croácia, nos oitavos-de-final, tínhamos de continuar a tentar não perder e a evitar que acontecesse alguma coisa parecida com futebol, mas já sem o nosso resultado do coração, o empate, como hipótese. Levámos bailic, mas passados 120 minutos, o miúdo com mais sorte do mundo correu 300 metros sem ver um croata ou outra coisa qualquer, não falhou o passe de dois metros para o lado, o Nani chutou de bico, o Cronaldo emendou, o guarda-redes deles deu uma palmada para a frente e um cigano tatuado a quem deram o nome de carro americano deu de tola para as redes. Credo! Ganhámos com um quase empate. Festejámos, bebemos mais umas quantas imperiais e uns xaropes e, sem medos, começámos a exteriorizar a ideia de que o destino empate a empate nos faria ganhar.

Com a Polónia, nos quartos-de-final, voltámos a defrontar uma grande selecção, numa partida em que foi difícil distinguir os intervalos… do jogo, em mais um hino ao futebol de ataque que acabou com cinco golos… nos penalties. Patrício defende de luva esquerda e o país ficou nas mãos de um cigano que de pé direito não nos enganou.

Nas meias-finais foi um jogo atípico e ganhámos 2-0 ao País de Gales. Essa super-potência, que talvez tenha estranhado a bola não ser oval, sucumbiu logo nos primeiros 90 minutos.

A França, sem saber como, ganhou à Alemanha na outra meiafinal e tornou-se o outro finalista.

Mesmo a jogar em casa, junto do seu público, em Paris, Portugal não era favorito. A final, afinal era um jogo como os outros, foi sofrer, sofrer, defender, panicar, defender e ao cair do pano, a estocada final: 1-0. Campeões! Golo do Éder. Do Éder. O Éder… Vão ver ao Google, era um jogador muita bom que se atrapalhava com a bola, e com os pés, e com as pernas, e com a relva. O Éder!

Se calhar, quando lerem isto, eu sou um pai Dolores e apareço na televisão com um chapéu cor-de-rosa a falar de vocês, mas o que eu vos queria dizer é que quando o querer se entrelaça ao destino podemos ser tudo o que quisermos, inclusivamente campeões da Europa!