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Tânia Alves: “Em Leiria, não estamos habituados a ganhar financiamentos públicos”
Gestora cultural
No seu trabalho do dia-a-dia, encara as estruturas artísticas como “empresas”, mostrando cuidado com a palavra por todas as especificidades do sector. Especialmente, nos meios locais.
É essencial estabelecer uma visão e delinear uma estratégia a longo prazo, apoiada numa escuta atenta ao território. Temos de encarar a arte e a cultura como Direitos Humanos, tal como a Saúde ou a Educação. Deve haver um posicionamento nacional e local daquilo que se quer fazer a médio e a longo prazo. Sentimos que não há visão. O meu trabalho aborda esse universo local e nacional, privado e estatal, o que obriga a ter abordagens completamente diferentes. Apesar de colocar o sector num cenário sem igual, o confinamento trouxe a possibilidade de pararmos e reflectirmos o que estávamos a fazer e o que queríamos fazer. Agora, não temos tempo para pensar. É tudo muito acelerado e tomam-se as decisões em cima do acontecimento. Isso faz com que se tomem más decisões.
Algumas cidades estão a abrir concursos para programadores dos seus espaços culturais. Quem se candidata deve apresentar um projecto que seque ter um sentido de liderança próximo e profissionalizar as suas equipas, onde cada elemento tem o seu papel. Estamos a falar de dinheiro público, que deve servir para o bem comum. Deve ser avaliado. Contudo, devemos olhar para a avaliação de outra forma. Deverá apreciado e, na sua implementação, avaliado. Outros municípios continuam a apostar na “prata da casa”...
É preciso saber qual é o entendimento que a pessoa tem do espaço: para quê, onde e para quem. Quanto à “prata da casa”, é preciso um equilíbrio muito importante. Quem gere uma estrutura tem -se entender como um processo de crescimento e uma oportunidade de corrigir os pontos negativos e potenciar os positivos. Infelizmente, há quem entenda a avaliação como algo que lhes vai colocar o cargo em causa. A esfera pública funciona de maneira diferente da privada. Os procedimentos, o ritmo de trabalho e a própria estrutura são diferentes. Trabalho nas duas esferas e os procedimentos são distintos, sendo em alguns pontos incompatíveis. Uma estrutura pública tem procedimentos obrigatórios que, muitas vezes, não a tornam ágil. Já o sistema privado trabalha numa lógica mais directa.
Em Leiria, com o Leirena Teatro, esteve envolvida na iniciativa Sob a Terra, que venceu uma candidatura ao projecto Não brinques com o fogo.
Colaboro há já algum tempo com o Leirena. A pandemia veio alterar a intenção de criar outras produções e de estruturar uma digressão. Este projecto apareceu pela AGIF e pelo Ministério da Cultura e a companhia de teatro avançou. O Fred [Frédéric da Cruz Pires], o director, criou um projecto artístico e eu fiz a gestão do projeto. Optou-se por juntar um consórcio para avançar na candidatura. Falámos com a Omnichord Records, com a Ccer Mais, com a Manipulartes, com a Casota Collective e com a a9)))) e criámos o Sob a Terra. Sabíamos que os artistas estavam a passar um período difícil e foi uma maneira de partilharmos aquele financiamento. Quando o resultado saiu, foi maravilhoso, porque, em Leiria, não estamos habituados a ganhar financiamentos públicos. Por mais que nos candidatemos, para a DGArtes falta sempre alguma coisa. O Leirena, que se voltou a candidatar ao apoio anual da DGArtes, com o Festival Novos Ventos, voltou a ficar no topo da tabela dos não apoiados. A Ccer Mais também não conseguiu...
Os critérios de avaliação das candidaturas são transparentes? Os artistas queixam-se que a maior parte dos apoios vão para Lisboa e Porto e que o resto do País recebe as migalhas. Não existem pessoas e projectos de valor no resto do território?
É precisa uma reformulação e uma reestruturação clara do financiamento. Pois, neste momento, não está a chegar de forma igualitária a todo o território nacional. Há quem trabalhe melhor e outros pior, e uns com mais experiência e mais profissionalizados, é certo. O meio é pequeno e, quando olhamos para uma lista, sabemos quem foi e não foi apoiado. No distrito de Leiria, onde há muitas cidades com estruturas artísticas a funcionar, temos de ter um sinal de que isto vai chegar a algum lado. Se isso não acontecer, as estruturas vão acabar por morrer. Apesar de haver espectáculos, o público nas salas está muito reduzido e já não se consegue trabalhar à bilheteira, por causa da pandemia. "Fazer coisas fora da caixa" já não chega!
Paixão pela Gestão Cultural
Tânia Alves, 39 anos, é natural de Leiria, foi aluna da Escola de Dança Clara Leão e formouse na Escola Superior de Dança, em Lisboa. Apesar do fascínio por esta forma de arte, nunca quis ser bailarina e, por isso, optou pela variante de Educação.