Palavra de Honra | " Não tolero que me chamem burro."
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Palavra de Honra | " Não tolero que me chamem burro."
29 out 2020 08:47
Gustavo Reis, Head of Interactive na Sound Particles e professor no Politécnico de Leiria
- Já não há paciência para muita da música que passa atualmente nas rádios e televisão. Tive a sorte de nascer ainda na década de 70. Cresci a ouvir no rádio a pilhas do meu pai bandas como Queen (para mim a melhor banda de sempre), Toy Dolls, Pink Floyd, Dire Straits, AC/DC, Guns N Roses (estes já ouvia na aparelhagem), entre muitos outros. Agora, quando a minha filha mais nova me pede "Pai: podes-me pôr esta música na coluna, para eu ouvir com as minhas amigas na escola?", muitas vezes até me arrepio. Muitas das músicas que ela me pede nem sequer têm instrumentos musicais a sério, são apenas feitas por computador, são interpretadas por alguém que também não sabe cantar e, por consequência, tem a voz afinada por computador e são músicas compostas por sequências de acordes que já são conhecidas como receitas "mágicas" de sucesso. Tenho saudades de quando a Rádio Comercial era conhecida como a Rádio Rock!
- Detesto que me chamem burro. Sim, pelos vistos, tenho um trauma. Calculo que toda a gente tenha um. O meu é este. Se há coisa que eu não tolero é isso: que me chamem burro.
- Questiono-me se algum dia iremos conseguir reverter muitas das alterações climáticas e baixar consideravelmente os níveis de dióxido de carbono da atmosfera. Penso nisto frequentemente. Uma das heranças que deixamos aos nossos filhos é o planeta e as condições em que este se encontra. E o estado atual do planeta não é nada animador. No dia 22 de Agosto deste ano atingimos o chamado "overshoot day", que é o momento de cada ano em que a humanidade usa mais recursos do que o que o planeta consegue renovar em 12 meses. Isto significa que no dia 22 de Agosto deste ano, gastámos o saldo que o planeta nos tinha dado para este ano. Enquanto assim for, não estamos de todo no bom caminho.
- Adoro a minha família. Amo a minha esposa e as minhas filhas. Apesar dos vários projetos que tenho a nível profissional, nomeadamente ter dois empregos a tempo inteiro: Head of Interactive na Sound Particles e professor no Instituto Politécnico de Leiria, onde ainda desempenho funções como coordenador do melhor curso de licenciatura do mundo (Jogos Digitais e Multimédia), a família está e estará sempre primeiro.
- Lembro-me tantas vezes da minha infância e dos meus tempos de faculdade. Apesar de aparentemente ser uma pessoa muito divertida, sou uma pessoa muito nostálgica e muito presa ao passado. Ao ver as minhas filhas (8 e 10 anos) a frequentar as mesmas escolas que eu frequentei, faz-me recordar muito o passado, as aventuras e desventuras que tivemos naquela altura, as tropelias e todas aquelas coisas que fazem parte de uma infância feliz. As saídas à revelia do "ciclo novo" para poder ir passear pela cidade, o ser barrado nas portas dos salões de jogos por não ter 16 anos, etc. Recordo, com muita nostalgia, estes tempos. Lembro-me muito bem de estar do lado de fora do salão de jogos Bandeira, que ficava na Rua Direita, perto de uma janela a ver alguém que estava lá dentro a jogar de uma ponta a outra e a acabar o Street Fighter II. Para mim foi um grande momento! Eu era fã incondicional do jogo e pude ver o fim do mesmo.
- Desejo secretamente desenvolver um algoritmo que venha a revolucionar a Inteligência Artificial a nível mundial. De todas as áreas da algoritmia e da programação a minha grande paixão sempre foi a Inteligência Artificial. Quando tenho tempo, coisa que não abunda há mais de um ano, tento sempre satisfazer o bichinho cá dentro e implementar qualquer coisa nova. Com isto já consegui que a Epic Games (Unreal Engine, Fortnite) divulgasse o meu trabalho e o destacasse, mas isto não chega. Gostava de conseguir algo muito maior neste campo.
- Tenho saudades de abraçar os meus pais. Com esta história da pandemia e de proteger os mais velhos mudam-se prioridades. O contacto físico foi substituído pela distância e nós humanos somos seres sociais. O abraço é algo que faz parte da nossa natureza. Particularmente com os nossos entes mais queridos.
- O medo que tive... O meu primeiro grande medo foi no dia 21 de Dezembro de 1989, tinha eu 10 anos. A casa dos meus pais é junto ao ponto onde o Rio Lis e o Rio Lena se juntam. Nesse dia houve uma grande cheia na zona da Ponte das Mestras, tendo mesmo rebentado uma das margens do rio Lena. Num ápice, eu, a minha mãe e o meu irmão ficámos rodeados de água e sem poder fugir. Fiquei mesmo convencido que ia morrer e que não ia passar dessa noite, o que para uma criança de 10 anos é muito forte. A água atingiu um metro e oitenta de altura em casa, e foi o nosso pai que nos foi socorrer juntamente com os bombeiros a casa durante a noite. Às duas da manhã saímos de barco pela varanda do primeiro andar.
- Sinto vergonha alheia pela falta de coerência de alguns dos nossos governantes em relação à pandemia. Proibir a circulação entre 30 de Outubro e 3 de Novembro, com a fundamentação "É um período de luto onde é difícil cumprir as regras", justificando que esta decisão de se pretender evitar os ajuntamentos em locais como cemitérios, onde "a dor do luto" e as "emoções fortes" dificultam o distanciamento entre familiares que assinalam o Dia dos Finados é, a meu ver, vergonhoso, dado ter havido no passado fim de semana circulação livre do Norte (região com mais casos de infeção) do País para o Sul para poderem estar 27.500 a assistir à Formula 1. É uma falta de coerência terrível.
- O futuro é uma grande incógnita, ainda para mais nesta altura de pandemia. Diz-se muita coisa: vai haver vacina...; a imunidade dada pela vacina dura apenas entre 3 a 4 meses...; etc. O que é certo é que o vírus veio e veio para ficar. A mal ou a bem, vamos ter de aprender a lidar com ele. Tendencialmente, os vírus tornam-se menos mortais com o tempo. Pois se matarem o hospedeiro, não se conseguem transmitir/replicar. Se um vírus quiser proliferar, tem de ser menos letal. Portanto, acredito que daqui a algum tempo (como não sou epidemiologista, não consigo precisar tanto), com os devidos cuidados, voltemos a andar sem máscara e voltemos à tão desejada normalidade.
- Se eu encontrar... Se eu encontrar.... Ora, se eu encontrar.... Muito sinceramente, e assim de repente, não há nada que eu desejasse encontrar, fora o que eu já tenha mencionado. Sinto-me realizado com o que tenho neste momento: trabalho numa empresa fantástica, que para mim é a melhor startup portuguesa - a Sound Particles - onde trabalho com uma equipa fantástica e de sonho. Para além disso, dou também aulas ao melhor curso do mundo e arredores, portanto só se eu encontrasse a chave do euro milhões. De resto, felizmente, sinto-me realizado, apesar de querer sempre alcançar mais.
- Prometo ganhar juízo. Os meus colegas de trabalho dizem que o Gustavo tem "pancada", no bom sentido é claro. Para os meus alunos, o "prof" é um "ganda maluco". Eu próprio reconheço que às vezes devia ter mais juízo. Ainda há pouco tempo consegui convencer as minhas filhas a dar o nome "Cão" ao nosso gato, que afinal acabou por ser uma gata. Também temos um tubarão num aquário. E se eu um dia eu tiver uma cobra de estimação, a cobra vai-se chamar venenosa. Assim, quando alguém pegar nela, eu vou poder dizer "É a venenosa.". Mas pronto, tudo isto até eu, um dia, ganhar juízo e passar a ser uma pessoa normal. Até lá, vou-me rindo quando tenho que levar uma gata chamada Cão ao veterinário e ver o/a veterinário a tratar a gata pelo nome.
- Tenho orgulho na cidade de Leiria. A nível cultural é uma grande cidade e não podia haver melhor candidata a Capital Europeia da Cultura em 2027. Leiria é uma cidade fantástica e com uma grande ligação ao panorama musical. Em tempos, a cidade de Leiria chegou até a ser conhecida como a cidade de Portugal com mais bandas de música por metro quadrado. Nessa altura, cheguei a ter várias bandas, das quais destaco Ad Noctum, Howl, Echoes of The Fallen Messiah, Insight. Havia bastantes concertos e havia um grande espírito de entreajuda entre as bandas: estávamos todos ali pela mesma causa: o panorama musical. Nos dias de hoje, a forte ligação à música mantém-se e a prova disso são os festivais A Porta e o Entre Muralhas. Fora o panorama musical, há também outros eventos culturais como, por exemplo, o Cinema Vadio e o Leiria Film Fest. Temos também associações culturais como a ecO e a associação asteriscos que dinamizam também muitos eventos culturais. Temos, portanto, muita gente a trabalhar em prol da cultura em Leiria e eu tenho muito orgulho na minha cidade!