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O que ficou em Guimarães, além de uma enorme ressaca?

3 abr 2016 00:00

Capital Europeia da Cultura: a última cidade portuguesa a receber o estatuto (que Leiria agora ambiciona) recebeu equipamentos, público e procura turística. Mas, quatro anos depois, a vida parece de volta ao normal, dizem artistas e associações

(Fotografias: DR)

Agora escolha: orçamento para vários anos a distribuir por agentes locais ligados à cultura ou um super- calendário de eventos que atrai programadores e artistas de fora, dá visibilidade durante meses, mas a seguir deixa uma enorme ressaca?

A pergunta é feita por criadores e dirigentes associativos de Guimarães, a última cidade portuguesa a receber o estatuto de Capital Europeia da Cultura, em 2012. Com 51 mil habitantes (menos 9 mil do que a zona urbana de Leiria), sede de concelho com 158 mil residentes (mais 31 mil do que o concelho de Leiria), a 30 minutos de Braga (tal como Leiria de Coimbra), Guimarães tem dimensão semelhante a Leiria, que ambiciona o mesmo estatuto e está a avaliar as condições da candidatura a Capital Europeia da Cultura em 2027.

Mas, regressando à questão inicial, a resposta parece ser a seguinte: mais vale criar condições de continuidade do que apostar tudo num único fogo-de-artifício. "O que toda a gente acha é que o orçamento devia ter réplicas nos anos seguintes em vez de concentrar tudo num ano", afirma Manuel Martins, presidente da Associação Comercial e Industrial de Guimarães, considerando que "a programação cultural" da Capital Europeia da Cultura "não foi uma sementeira que deu muitos frutos" em Guimarães.

Opinião semelhante tem Jorge Magalhães, do Laboratório das Artes, um dos colectivos mais importantes da cidade minhota no domínio das artes plásticas. "Atribuíram-se valores para projectos esporádicos do evento e não se criaram condições de continuidade no pós 2012, foi uma oportunidade perdida. Acaba-se o 2012 e as coisas voltam ao clima de parado, paradinho", afirma. Está Guimarães a passar pelo síndroma do dia seguinte?

"Há sempre uma fase de ressaca e não podemos ter a ilusão que a Capital vai resolver. O circo termina, muda de lugar e a vida volta à modorra inicial", descreve Eduardo Meira, director da associação cultural Convívio.

"Continua a haver iniciativa em Guimarães, mas a capacidade de finaciamento é muito limitada. Para que isto fosse válido, era preciso continuar a haver fluxos de financiamentos".

O responsável explica que na órbita das capitais europeias da cultura como aquela que o Minho recebeu "aparece gente de todo o lado, com ideias, projectos, de Lisboa, do Alentejo, a tentar a sua sorte, a pressão sobre o dinheiro é enorme, a maior parte dos programadores vem de fora, e as estruturas da cidade acabam por ficar com migalhas".

Na opinião de Eduardo Meira, antes de tudo, "era preciso fortalecer as estruturas locais, o que nem sempre sucede. "O que é que as câmaras municipais querem? Regeneração urbana, mudar ruas, espaços físicos, mudar as fachadas, arranjos arquitectónicos.

Depois muitas vezes criam-se estruturas que são difíceis de suportar, faltam conteúdos para meter lá dentro. Na minha perspeciva, é preferivel ter capacidade financeira para intervir e distribuir ao longo de 7 a 10 anos nas estruturas da cidade, e depois a seguir vem o evento".

A obra emblemática de Guimarães 2012 é a Plataforma das Artes e da Criatividade, que alguns vêem a escorregar para o vazio, por escassez de actividade ou inconsistência na ocupação (o principal foco de dinamismo continua a ser o Centro Cultural Vila Flor, que já existe desde 2005).

Mas a festa foi grande e à grande, ao longo de ano e meio, contada em várias dezenas de milhões de euros, entre programação, novos equipamentos e reabilitação de imóveis. Houve atrasos nos pagamentos aos artistas, demissões na cúpula da equipa de administração, ameaças de um programa paralelo pelas associações da cidade e até comandante da GNR destituído.

Mas a contrapartida, mesmo com projectos ainda por fechar e edifícios ainda à espera de uso, é a memória do momento em que a cidade inteira abraçou o estatuto de Capital Europeia da Cultura, com praças cheias, espectáculos lotados e a procura turística a bater recordes.

"A grande razão do sucesso terá sido mesmo a envolvência da população de Guimarães, aquele bairrismo que temos em relação à nossa cidade, que neste tipo de concretizações é extremamente importante", diz Jorge Castelar, da associação cultural Ó da Casa.

Volvido este tempo, "a dimensão mais visivel é a de uma série de equipamentos de excelente qualidade que ficaram", e também, salienta, um acréscimo na dinâmica cultural e na qualidade dos eventos que por ali acontecem. A formação de públicos parece ter funcionado e há hoje mais interesse pelas coisas da cultura.

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