Desporto

Nuno Cardoso: “Por cada futebolista contratado são oferecidos mais de sessenta”

13 jan 2016 00:00

Nuno Cardoso esteve no final do ano passado no Senegal à procura de um diamante por lapidar ou, quiçá, do novo Eusébio. Fomos conhecer os meandros da vida de um agente de futebolistas.

nuno-cardoso-por-cada-futebolista-contratado-sao-oferecidos-mais-de-sessenta-2815

Encontrou o novo Eusébio na Taça das Nações Africanas (CAN) de sub-23 a que assistiu no Senegal?

Confesso que ia à espera de outra coisa. Fui à procura do jogador em bruto, do diamante, mas deparei-me com uma realidade um bocado diferente. Já há academias e clubes organizados que acolhem miúdos com 12 anos, como o Benfica, o FC Porto e o Sporting. Têm treinadores europeus e os atletas chegam aos 18 e 19 anos completamente formatados.

Mesmo assim terá visto alguns jogadores que gostaria de representar.

Acredito que será possível trazer para Portugal dois ou três jogadores que estiveram na CAN. Quis ver ao vivo futebolistas que já tinha referenciado, para tomar a decisão se avançava com a apresentação desses atletas em Portugal. Um já está em andamento e há mais dois para os quais estamos a estabelecer contactos.

Não são sete cães a um osso?

Claro que são, mas tentamos identificar os alvos possíveis, aquele de quem temos o contacto do director desportivo do clube onde joga e da pessoa em Portugal que procura aquele perfil. Não é nada fácil. Concretizar uma operação destas é como marcar um golo. Faz-se dez remates ao lado e cinco vão ao poste até a bola entrar. Até se fazer um negócio há muitos que caem por terra e outros que não têm retorno financeiro. A actividade de agente é contrariar as probabilidades, porque as chances de colocar um jogador são muito menores do que as de não colocares. Por cada jogador contratado mais de sessenta são oferecidos. Não é assim tão fácil, nem o el dorado, nem a profissão de sanguessuga que muitos julgam.

Depois é torcer para que tudo corra bem.

Sempre que conseguimos colocar um jogador é uma grande vitória, mas também uma enorme responsabilidade. Colocámos um jogador no Tondela, o Salva Chamorro. Tem jogado muito pouco. Fez um jogo a titular e depois tem cinco ou seis como suplente utilizado. Pôde ter o momento de glória no jogo com o FC Porto, mas falhou o penalty que daria o empate a cinco minutos do fim. Colocamos um jogador que não conhecem, confiam em nós, as coisas não lhe estão a correr bem e no momento que podia ser de viragem falha uma grande penalidade. Apeteceu-me enfiar-me no armário e desaparecer. Se o Tondela empata seria falado durante uma semana. Dava-lhe visibilidade e dava-nos crédito.

A actividade de agente ou intermediário não é muito bem vista. Porquê?

Como em todas as actividades, há gente boa e má. Passa para a opinião pública, tralvez pela imagem mediática do Jorge Mendes, que é um mercado fácil e onde se ganham mundos e fundos, mas não é assim. É um meio muito concorrencial, em Portugal há uma enorme dificuldade em receber, mas os agentes recebem em função daquilo que conseguem para o jogador. Mas é fácil ser um bom agente: basta ser honesto. Há muita gente que não é séria e quer ganhar tudo de um momento para o outro.

É em África que se podem fazer os melhores negócios?

Não. É no futebol francês que ainda é fácil encontrar um diamante. Quase todos os clubes das 1.ª e 2.ª Liga francesas têm centros de formação. Saem 500 a 600 jogadores por ano, mas o mercado profissional só absorve 150. Os restantes vão para divisões mais baixas. São jogadores com muito boa formação, completamente adaptados à Europa, com perfis diferentes e é fácil encontrar um futebolista que ganhe mil euros e que aceita vir para Portugal ganhar o mesmo, mas que sabe que vai ter mais visibilidade.

Como é que percebe que um jogador é craque?

É diferente de todos os outros. Pode desaparecer do jogo durante 40 minutos, mas num clique percebe-se que tem algo especial. Também há aqueles futebolistas que se vê que não vão chegar a um nível top, mas que podem ser o jogador certo para determinado clube ou treinador. É a nossa experiência que nos diz onde se enquadra.

Ficam com percentagem do ordenado do jogador?

Na generalidade dos casos, são os clubes que pagam as comissões aos agentes e os jogadores não abdicam de nada do rendimento. No entanto, há situações de clubes que não querem pagar ou são de difícil cobrança. Nessas situações, normalmente perguntamos ao jogador qual seria o salário que consideraria razoável e pomos alguma coisa em cima. Mas nada é feito sem o conhecimento do atleta.

O que faz quando não consegue encontrar um clube para o seu futebolista?

Só tenho um jogador por colocar e desde Agosto que tentamos encontrar uma solução. Já houve um ou dois clubes potencialmente interessados, mas acabou por não acontecer, pelo país em questão ou porque o atleta deixou expirar o visto e não o deixaram embarcar. Muitas vezes somos expostos por situações que não controlamos na totalidade. Hoje, ninguém trabalha sozinho. Com a rede de contactos que vamos fazendo, tentamos encontrar a solução. É essa rede que é a mais-valia e que pode fazer a diferença.

O que mais o fascina nesta profissão?

Não gosto tanto da parte negocial. Aprecio mais a parte do jogo: analisar, recrutar, tentar encontrar o clube certo, no momento exacto, para determinado jogador. Fascina-me tentar encontrar um diamante. Também gosto do contacto com os clubes, com directores desportivos e treinadores. No fundo, falar futebol. É engraçado, porque torço por dez clubes diferentes todos os fins-de-semana.

Não há a tentação de aliciar os jogadores para ficarem sob sua alçada?

Não lhes dou botas, não dou nada. Ajudo-os para melhorarem a vida deles e, assim, me poderem dar alguma coisa. Se vierem porque lhes dei algo, em algum momento vai aparecer alguém que lhes dá mais e vão. Quem está comigo é pela confiança e por acharem que os posso ajudar. Os contratos de representação têm a duração de 24 meses e daí advém risco para a actividade. Podemos investir num jogador, andar a tentar promovê-lo e ao fim de 24 meses ele pode trocar-nos por outro.

Atletas dos escalões de formação são um bom ou um mau negócio?

Não trabalhamos com atletas dos escalões de formação. Temos de lidar com o miúdo e com os pais, que vêem os filhos como um PPR e nos criam mais problemas do que o próprio jogador. E depois, ninguém vai ganhar dinheiro com um miúdo de 18 anos. Vamos investir dois, três ou quatro anos nele e depois vem um 'Jorge Mendes' que facilmente cativa o rapaz só com o nome ou um par de botas. Ou se já tiver alguma expressão oferece-lhe um apartamento, como há casos conhecidos.

Há muito gato por lebre?

Jogadores há muitos, mas os clubes são sempre os mesmos e temos de manter a credibilidade. Se em algum momento tenho dúvidas sobre o valor de um jogador prefiro não fazer negócio e não fechar a porta num clube, do que ganhar no imediato e depois ter o acesso trancado e nunca mais conseguir fazer nada. Agora, o futebol não é uma ciência pura. Há sempre questões de adaptação. Quando estava na Naval, por exemplo, tive um jogador magrebino que quando íamos para estágio comia três omeletas por fim-de-semana, porque só comia carne sangrada. Obviamente, pode ter repercussões no rendimento do atleta. Sabemos que os jogadores muçulmanos vão ter problemas durante o Ramadão. Mesmo que seja craque pode vir e nem sequer jogar. Há muitos casos desses. Depois, o futebol é o momento e o que um jogador fez há três anos já pouco conta.

Imagine que lhe aparece uma proposta para um futebolista num clube com fama de ter salários em atraso. Vai?

Depende do jogador. No caso do futebolista que tenho para colocar, o dinheiro não importa. Ele quer é jogar.