Viver
“Leiria tem muitos projectos novos que gostaria de promover”
João Brilhante, promotor musical
Como é que uma pessoa que foi para a universidade estudar Relações Internacionais, acaba como promotor musical?
Sempre estive muito ligado à cultura. Quando ainda vivia em Leiria comecei a fazer algumas coisas na área. Em 1993, produzi um concerto dos Tédio Boys, de Paulo Furtado, em Monte Redondo. Custou 90 contos. Tive de convencer o meu primo Mário, que tinha um bar, o Stradivarius, na vila. Ele costumava ter lá bandas decoverse desafiei-o a fazer noites alternativas às sextas-feiras. Comecei a passar música como dj e, quando gente de Leiria começou a ir ao bar de propósito para aquelas noites sugeri levarmos os Tédio Boys que estavam em alta. Fizemos esse concerto que correu muito bem e foi aí começou um bichinho que me ordenava que estivesse ligado à música. Entretanto, não me adaptei à universidade e ao curso. Estava sempre enfiado em concertos, exposições e na Cinemateca. Lisboa foi uma grande descoberta onde fiz uma formação cultural paralela à universidade. Em 1999, convidaram-me para escrever sobre cinema, sobre teatro, dança e fazer o roteiro cultural de Lisboa e nacional na Magazine 24. Trabalhei lá dez anos. Entretanto a empresa constitui-se como agência de comunicação até que tive um convite de uma produtora, a Mandrake, para ir trabalhar com eles em assessoria de imprensa.
Quem foi o primeiro artista com quem trabalhou, nessas funções?
Foi Charles Aznavour, uma grande estrela, uma espécie de Sinatra europeu. Toda a imprensa portuguesa queria falar com ele pois havia a dúvida se ele seria ainda o “Charles Aznavour dos tempos áureos”. À boa maneira de estrela, não queria dar muitas entrevistas e escolheu só dar três. Escolhemos o Público, o Expresso e a RTP. Foi interessante perceber ali o poder da comunicação. Tínhamos os bilhetes à venda e as vendas estavam a arrancar devagar e nós preocupados. Após a entrevista para a RTP,com a Judite de Sousa, que se deslocou propositadamente a Paris, foi incrível a venda de ingressos. As pessoas viram que o Charles Aznavour estava cheio de energia e em grande forma.
Durante esse tempo na Mandrake, qual foi o pedido mais curioso que um artista lhe fez?
Tenho vários casos. Quando se trabalha com artistas de grande dimensão, estamos sempre sujeitos a exigências e a condições. O Aznavour queria ouvir fado ao vivo e queria os melhores fadistas. Era preciso arranjar um evento e um sítio onde ele pudesse ir com o seu imenso staff. Contactámos uma casa de fados em Alfama, onde cantam alguns dos melhores fadistas nacionais e reunimos um grupo de luxo, que seria um fado all stars só para o senhor Aznavour. Era a Carminho, Ana Moura, Mafalda Arnauth e a Beatriz da Conceição. Também convidámos pessoas muito próximas do meio artístico, foi uma coisa muito, muito reservada. Um concerto privado a pedido. Foi único. A mãe da Carminho até fez um comentário dizendo que aquilo era uma verdadeira mise-en-scène. Realmente, não era normal estarem ali tantas estrelas do fado juntas.
Também trabalhou com Seu Jorge.
É uma pessoa incrível. Era de uma favela e tornou-se conhecido com o filme Cidade de Deus. Fala com toda a gente e é uma pessoa muito próxima e terra-a-terra. Como ele fez versões de canções do Bowie, perguntei-lhe se o gosto pelo cantor britânico era uma coisa antiga. “Eu? Eu nem conhecia o cara!” Trabalhei com o Seu Jorge duas vezes. Na segunda vez, foi um concerto express. Num mês resolvemos tê-lo a tocar em Portugal e tínhamos pouco tem queria dar entrevistas, nem faria showcases. À revelia, marcámos entrevistas e showcases. Quando ele chegasse, logo se via. Fomos buscá-lo ao aeroporto, às 14 horas. Às 16:30 horas, tínhamos marcado umshowcase na Fnac do Chiado, e às 18 horas, tínhamos a Prova Oral, do Alvim e uma entrevista com a TVI, de seguida. Quando chegou, vinha mal disposto por causa de uma confusão na alfândega. Ainda no carro, o nosso director aproveitou e disse-lhe: “Jorge, vamos precisar de um grande favor teu. Ainda temos a sala aquém da capacidade e precisamos da tua ajuda para promover o concerto”. Ele ficou meio desconfiado. “Ehhh! Vi logo que ia sobrar p'ra mim!”
E ajudou?
Ajudou. Fomos ao hotel e ele quis beber uma “cervejinha fresca”. Entretanto, pelas 15:30 horas, ligou-me uma amiga a dizer que havia um mar de gente na rua, no Chiado, à espera. Lá saímos do hotel, e ele deu o concerto. Quando acabou, dissemos-lhe que tinha de ir à RTP à Prova Oral. Não gostou. Estava a assinar autógrafos e nós a puxá-lo. “Eles que esperem. Vou ficar aqui até à última pessoa me pedir um autógrafo.” Chegámos atrasados ao programa do Alvim e o Seu Jorge ainda quis ir beber uma “fresquinha” antes. Quando chegou ao hotel, tinha lá a TVI à espera… Foi difícil, mas conseguimos e enchemos o Campo Pequeno. Até um pedido de casamento houve em palco.
Depois da área da promoção mudou de ramo profissional…
Fui trabalhar para publicidade. Convidaram-me da IPG Media Brands, uma das maiores agências de promoção de marcas do mundo. Tive umas dúvidas, mas aceitei. Estive a trabalhar na área três anos, mas deixei de trabalhar com cultura e com projectos de música. Ao fim desse tempo, comecei a pensar se era realmente aquilo que queria fazer… cheguei ao fim do ano passado e percebi que não. Voltei à música, e abri a minha agênciaunipessoal. Estou a trabalhar com um projecto do Porto, The Miami Flu, que vai lançar um disco em Fevereiro, têm uma sonoridade de surf rock, com garage e shoegaze.
Gostaria de promover novas bandas de Leiria?
Quando promovi o concerto de Tédio Boys com o meu primo, a actividade cultural leiriense era muito reduzida. Leiria está viva, recomenda-se e há muitos novos projectos que gostaria de promover. Estive a enumerar artistas grandes, mas também trabalho com projectos mais marginais. De Leiria, gosto imenso de Country Playground, de Born a Lion, de Nice Weather for Ducks, do Afonso [Sean Riley, Keep Razors Sharp] e por aí fora. Estaria super disponível para os divulgar. Leiria é um pouco como o Porto. Tem uma boa cena underground e também mainstream, com bons eventos culturais, como o Há Música na Cidade, o festival A Porta… a programação do José Lúcio da Silva...
Perfil
O homem que trata Seu Jorge por “Jorge”
Nasceu em 1973, no seio de uma família de Monte Redondo, no concelho de Leiria. João Brilhante mudou-se para a capital do distrito para fazer o ensino preparatório, cidade onde também fez o ensino secundário, na Secundária Francisco Rodrigues Lobo.
Quando chegou o tempo da universidade, em 1992, mudou-se para Lisboa para estudar Relações Internacionais. E ficou por lá. Trabalhou com a Nintendo Portugal e promoveu jogos como se fossem um artigo cultural, colaborou com o Goethe Institut e com a Meios e Publicidade.
Estudou e especializou-se em Marketing e redes sociais. Trabalhou na promotora Mandrake, conheceu Seu Jorge, Zélia Duncan, Simone, Ornette Coleman ou Charles Aznavour. No início do ano, abriu a sua própria promotora.
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