Abertura
Jovens lêem, mas não entendem o que lêem
Relatório | Ler um texto sem interromper e compreendendo o que se está a ler, através de cenários mentais e capacidade de pensamento abstracto, é uma capacidade que se está a perder
Numa época onde há cada vez mais oferta de livros infanto-juvenis, o fenómeno de ler e não compreender o que se acabou de ler, ou não conseguir destrinçar o tipo de conteúdo, afecta especialmente os jovens digitais, mas também abrange muitos adultos, enredados numa nova forma de analfabetismo funcional.
A conclusão é retirada da análise ao Programme for International Students Assessment (PISA) 2018, cujos resultados foram apresentados no final do ano passado, mas é igualmente referida por outros documentos que analisam a prática de leitura entre os jovens.
Por exemplo, a percentagem dos estudantes portugueses que não sabe distinguir facto de opinião é de 50%, quando a média da OCDE é de 47%, revela a análise Leitores do séc. XXI: desenvolver competências de leitura num mundo digital, elaborado a partir do PISA 2018.
“Antes, os jovens liam uma enciclopédia e sabiam que o que estava lá escrito era verdade. Agora procuram informação [menos fiável] na internet”, alertou o director da OCDE para a Educação, Andreas Schleider, durante a apresentação do relatório.
O PISA, realizado de quatro em quatro anos e da responsabilidade da OCDE, mostra que os jovens em idade escolar gostam cada vez menos de ler, gastam cada vez menos tempo nessa actividade e não entendem o que lêem.
Em Portugal, os alunos, em vez de ficção, revistas ou jornais, dizem que lêem sobretudo chats, notícias curtas online e “sites com informações”, refere o mesmo documento.
“Sabem ler, mas compreendem sempre o que lêem? Sabem escrever, mas redigem com clareza, destreza e fluência? Os jovens esperam que seja a esfera digital a substituir-lhes a inteligência e a contribuir sem rodeios para a solução de problemas. Limitam-se às mil teclas que os rodeiam e, se estas não responderem às suas necessidades, desistem.”
A afirmação é de Luís Lobo Henriques, que, como professor de Português, tem testemunhado ao longo da carreira o aumento do número de jovens que não entendem o que lêem.
“Resulta a interpretação incorrecta de textos e mensagens - como se multiplicam os que não conseguem exprimir por escrito, e claramente, uma ideia.” O professor dá o exemplo de alunos que lhe dizem que os livros “pesam muito” e lhes dão sono.
“Precisam é de imediatismo. Não lêem porque são hiperactivos, querem actividades que lhes espoletem a adrenalina e as emoções. Pois se nem sequer vêem a família a ler! O adulto não faz, a criança não reproduz.”
Ana Lázaro, autora de livros e teatro para a infância acrescenta que, “se passamos a conhecer e usar menos palavras para articular ideias, edificar pensamentos e construir subtilezas, ficamos menos capazes de agir perante a realidade, de nos relacionarmos. ‘Desumanizamo-nos’”.
A autora cita Martha Nussbaum, filósofa e antropóloga, que defende que as Humanidades e as Artes perderam terreno nos sistemas educativos, em prol do estudo em exclusivo das disciplinas relacionadas com produtividade económica.
“Com isso se perde a ousadia da imaginação e a experiência empática, tão indispensáveis na prática da democracia. No decurso do meu trabalho com crianças e adolescentes na área artística, consigo atestar que esta é um movimento que se vem afirmando.”
As palavras, como diz Bettencourt, “não lhes passam por dentro, não lhes entendem o sabor”.
Ou seja, os jovens preferem uma abordagem mais pragmática para a obtenção de conhecimento, através do digital? Certamente. Mas será melhor? A OCDE diz que não.
O organismo cita vários estudos, entre eles o 21st Century Readers: Developing Literacy Skills in a Digital World, e afirma que “os alunos que lêem regularmente para se divertir têm mais oportunidades de melhorar as suas competências de leitura por meio da prática.”
No PISA 2018, um em cada quatro (28%) alunos “concordou” ou “concordou fortemente” que “ler é um desperdício de tempo”. O documento alerta ainda que os níveis mais elevados de prazer na leitura, estão ligados às origens socio-económicas. Os alunos mais favorecidos lêem mais por prazer, enquanto os menos favorecidos preferem manter-se afastados dela, enveredando por actividades intelectualmente mais simples, como o desporto ou “passear pelas redes sociais”.
“A queda na valorização da leitura pode afectar as competências de leitura e a equidade, visto que o prazer da leitura medeia a relação entre contexto socio-económico e desempenho em leitura”, refere o PISA, revelando que cerca de 49% dos alunos nos países da OCDE “lêem apenas se for necessário”. No estudo de 2000, eram 36%.
“Contar histórias, ouvir histórias e recriá-las sempre foi um gesto inerente aos humanos, porque com as histórias conseguimos elaborar as nossas próprias emoções, contradições, desejos e angústias”, lembra Ana Lázaro.
Analfabetismo funcional
Se acredita que ler e compreender o que se leu, nos seus sentidos literal e figurado, é sobrevalorizado, não se esqueça que um analfabeto funcional tem dificuldades a preencher uma candidatura de emprego, entender um contrato para um crédito pessoal, seguir instruções escritas, ler um artigo num jornal, interpretar os sinais de trânsito, consultar um dicionário, entender um simples horário dos autocarros ou, já que nos aproximamos de um sufrágio, o programa eleitoral de um partido
Nem tudo o que está na net é mau
Luís Lobo Henriques diz que o universo multimédia e as redes sociais agravaram a tendência de fuga ao livro.
“É nesse tão vasto circo que tantos exibem o seu analfabetismo funcional, a sua iliteracia. Não só multiplicando erros de ortografia, como de sintaxe ou de descodificação das mensagens redigidas pelos que manipulam melhor a escrita”, resume.
Já o psicólogo Ricardo Cardoso admite que, apesar de existirem alguns estudos a “diabolizar” os conteúdos multimédia, nem todos s&
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