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João Costa Ferreira. O novo disco e o mistério da mão esquerda na obra para piano de Vianna da Motta

25 out 2024 12:18

O pianista de Leiria apresenta nos próximos dias em Lisboa, Almada e Vila do Conde o segundo volume da série Poemas Pianísticos

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Radicado em França, João Costa Ferreira dirige a Casa de Portugal André de Gouveia

Resignação” é uma das faixas favoritas de João Costa Ferreira no disco que gravou e começa este sábado a apresentar.

Uma peça muito particular, composta para ser tocada apenas com a mão esquerda”, explica o pianista de Leiria, que está a promover o segundo volume da série discográfica José Vianna da Motta – Poemas Pianísticos, em que volta a mergulhar no período de infância (entre os cinco e os 14 anos) do compositor português (que nasceu em São Tomé em 1868 e morreu em Lisboa em 1948).

Escrita em 1881, “Resignação” constitui “um mistério” até para o investigador que se dedicou a estudar a obra de José Vianna da Motta desde 2013 no contexto de um mestrado, foco que manteve nos anos seguintes durante o doutoramento em Música e Musicologia pela Sorbonne Université.

O próprio título pode levar a crer que Vianna da Motta poderia ter tido algum problema com a mão direita”, diz João Costa Ferreira. No entanto, “é só uma hipótese”. Nos diários do mesmo período, há 30 referências “a um dedo que lhe dói”, mas só uma delas identifica “uma dor no dedo mindinho da mão direita”. Mais tarde, em correspondência trocada com Margarethe Lemke, o compositor continua a referir-se a dores nos dedos. Um problema crónico? “Pode ser isso” ou “pode ser só um desafio composicional”, analisa João Costa Ferreira, que vai falar sobre as obras de Vianna da Motta para mão esquerda no dia 1 de Novembro, no Conservatório de Música e Dança de Vila do Conde, durante o encontro nacional da EPTA.

No segundo volume de Poemas Pianísticos, João Costa Ferreira interpreta 12 peças inéditas de José Vianna da Motta, no sentido em que constituem, todas eles, “primeiras gravações mundiais”. Também as partituras são publicadas pela primeira vez, excepto no caso de duas composições.

As apresentações têm início amanhã, 26 de Outubro, pelas 16 horas, no Convento dos Capuchos de Almada (com concerto comentado por Duarte Pereira Martins) e prolongam-se na Fundação Calouste Gulbenkian (em Lisboa, 30 de Outubro, às 18:30 horas, conversa com Duarte Pereira Martins e Rui Vieira Nery) e no Conservatório de Música e Dança de Vila do Conde (31 de Outubro, participação em concerto).

Do novo disco, João Costa Ferreira destaca a primeira faixa, que considera “lindíssima” -- “Fantasia brilhante sobre a ópera Il Guarany de Carlos Gomes” – e ainda “o carácter extraordinário” de “Variações sobre um tema original”, que fecha o alinhamento.

A edição conta com 12 ilustrações originais de Mariana, a Miserável, artista de Leiria a viver no Porto que também é responsável pela capa do álbum.

João Costa Ferreira assinala o “carácter notável” das obras de José Vianna da Motta, que beneficiou do mecenato da família real logo a partir dos seis anos de idade. “O primeiro aspecto qe costumo notar é o facto de ele ser tão novo quando as compôs”, aponta. “Mesmo no seu tempo era uma criança excepcional”, “diferente das outras”, um “prodígio”.

Comparando o primeiro e segundo volumes de Poemas Pianísticos, João Costa Ferreira considera que há, pelo menos, “uma diferença substancial”: o trabalho inicial – lançado em 2020 e premiado pelo Grémio Literário – mostra-se “muito virado para as danças de salão”, enquanto no registo que agora chega ao público surgem, sobretudo, “marchas”.

Para o pianista de Leiria, que reside em França, onde dirige a Casa de Portugal André de Gouveia na cidade internacional universitária de Paris, no acervo relativo ao período de infância de Vianna da Motta existe ainda “material suficiente para fazer um disco”. A concretizar-se, deverá incluir peças não só para piano solo como para violino, flauta e piano a seis mãos.