Sociedade

Germano de Sousa: “Para o SNS ser sustentável tem de se ter coragem de fazer reformas”

22 jun 2017 00:00

Médico patologista, é administrador e director clínico do Grupo Germano de Sousa. Contra a eutanásia, considera que a prática não se coaduna com a ética da medicina.

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Os Laboratórios Germano de Sousa lançaram uma unidade, apetrechada com a vanguarda da tecnologia e ciência no que toca à patologia clínica. Estão a dedicar-se a uma medicina de precisão?

Somos um centro de medicina laboratorial que está em todo o País, nomeadamente em Leiria, e que faz todo o tipo de exames laboratoriais possíveis. Temos um departamento com investigadores da Fundação Calouste Gulbenkian, entre outros, onde lançámos a nossa linha em medicina de precisão, ou a chamada medicina personalizada. Estamos a dedicar-nos muito à genómica do cancro, de modo a darmos uma contribuição importante não só ao diagnóstico, mas também à terapêutica. Ou seja, perceber qual é a terapêutica mais indicada neste ou naquele tipo de cancro. Fomos também o primeiro grupo a lançar em Portugal a biópsia líquida. As biópsias são uma amostra em que se retira algo e se investiga a sua composição. Nós pegamos nessa parte sólida e somos capazes de sequenciar o genoma e perceber quais os genes que estão alterados só nessa parte. Esse tumor, muitas vezes, é retirado através de cirurgia, mas, infelizmente, ficam pequenas células que vão dar origem a metástases. Muitas dessas células vão morrendo e outras vão-se multiplicando - no caso do tumor a alta velocidade - e libertam DNA (ácido desoxirribonucléico) para o sangue. O que fazemos é tirar sangue ao doente e isolamos o DNA circulante livre do tumor e vamos sequenciar o DNA dessas células que estão em circulação tumoral. Aí poderemos dizer, por exemplo, atenção, houve esta mutação e talvez seja razoável mudar para esta ou para aquela terapêutica.

Este método vai permitir combater mais eficazmente a doença?

Nas novas terapias do estudo em oncologia isto é um passo fantástico. Primeiro, vai permitir afinar e personalizar a terapêutica. Imaginemos um cancro de pulmão, [a pessoa] tirou o cancro há dois anos e está bem. De repente há uma pequena suspeita. Ainda antes de aparecer qualquer metástase visível a biópsia líquida já pode dar um alerta. Esse alerta indica que alguma coisa está a correr mal e que vale a pena avançar para esta ou para aquela nova terapêutica. É preciso ter a noção que, ao contrário do que se pensava, mais do que uma doença de órgão, o cancro é uma doença de célula. Já há medicamentos que conseguem travar determinados ciclos bioquímicos a nível celular ou que impedem que os genes funcionem desta ou daquela maneira. Falo das imunoterapias. Ou seja, hoje já se consegue modelar imunologicamente o organismo, para que ataque as células que até agora era incapaz de as reconhecer. Com as novas terapêuticas que estão a surgir são as próprias defesas do indivíduo que podem, cada vez mais, destruir o próprio tumor.

Abriu um posto de análises no Centro Clínico de Leiria. O que é possível fazer no laboratório em Leiria?

Tudo o que se faz aqui [Lisboa]. Temos uma rede contínua diária de estafetas que duas horas depois estão neste laboratório. Só muito raramente a pessoa poderá ter de se deslocar a Lisboa. Por exemplo, fazemos o estudo dos riscos genéticos. Dez a 12% da população tem risco genético de ter cancro da mama e, dependendo do gene, 40 a 60% dessas mulheres podem ter cancro do ovário. Além das análises clínicas, se for preciso, fazemos aconselhamento genético na nossa consulta, onde irá perceber quais os exames que poderá fazer ou se nem se justificam.

Porquê Leiria?

Tínhamos o Porto, o sul e faltava-nos o centro. Leiria é uma cidade evoluída do ponto de vista industrial, económico e do desenvolvimento humano de qualidade de vida. Naturalmente, seria uma pena para os habitantes de Leiria não puderem dispor dos nossos serviços.

É contra a eutanásia. Não há situações de excepção?

Não vejo nenhuma excepção. Teoricamente a eutanásia seria a morte boa (não há mortes boas, infelizmente). A eutanásia é um indivíduo que está em pleno uso dos seus direitos e diz: ó 'sôtor', mate-me, porque não aguento esta angústia, porque sei que vou morrer. É a chamada dor invisível. Hoje em dia, os colegas da medicina paliativa conseguem eliminar a dor física e, quase sempre, a pessoa pode ser mantida consciente. Há ainda a dor moral, que é uma terrível sensação de isolamento: a família deixou de lhe ligar, ninguém a procura. Não é só o médico que trata a dor. Há o enfermeiro, o psicólogo, o assistente social. Muitas vezes, o problema da pessoa que quer desaparecer é que se sente extremamente só no mundo. Temos que criar condições para que isso não exista. Dir-me-á e a autonomia? Sou livre ou não de me matar? Obviamente, toda a gente se pode matar. Mas se for a passar numa ponte e vir um tipo que se quer mandar ao rio fica de braços cruzados? Um médico a quem vêm pedir para morrer, pode dar-lhe um barbitúrico para ele morrer? Os médicos têm três coisas que estruturam a sua profissão: não fazer mal a ninguém, inviolabilidade da vida humana, que é sagrada, e o segredo profissional. Já viu o que a eutanásia eticamente pode fazer à profissão médica? É destruir a nossa razão de ser. Confiavam num médico que quando fosse preciso dava um 'jeitinho'?

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