Sociedade
Geminações, cooperações e a internacionalização na política local
O que significa uma geminação? O que fazem os autarcas quando viajam para outros países sob propósitos de cooperação? Estas e outras questões conduziram-nos a Ourém e Fátima da Amazónia, no Brasil
A “geminação” é um conceito administrativo que visa definir laços formais de fraternidade e colaboração entre comunidades. A sua aprovação é realizada por meio das assembleias municipais ou de freguesia, consoante o organismo, às quais compete a fiscalização dos actos do respectivo executivo. Quando se pretende um acordo mais simples e limitado no tempo, ainda que no mesmo espírito, estabelece-se um acordo de cooperação ou amizade, aprovado apenas em reunião de câmara. Existem geminações e acordos de cooperação extremamente dinâmicos, mas muitos vão pouco além do protocolo inicial. Na prática, extinguem-se com a saída do líder autárquico que os criou.
A história dos laços políticos entre localidades com afinidades comuns ou “gémeas” perde-se no tempo. A criação do conceito actual de “geminação”, ou cidades-irmãs, tende a ser identificada nas relações de solidariedade entre Coventry, no Reino Unido, e Estalinegrado, na ex-URSS (hoje Volgogrado, Rússia) no âmbito da II Guerra Mundial, as quais resultaram num acordo de geminação em 1944.
A ideia original, segundo um artigo de 2016 do jornal britânico The Guardian, era criar vínculos de amizade e cooperação entre pessoas comuns. Mas ao longo do último século, salienta o periódico, muitos destes acordos perderam relevância, alguns são extintos devido a posições políticas, sendo que muitos observadores consideram-nos uma forma de “turismo de luxo” utilizada por políticos locais.
O conceito, porém, vingou no pós-guerra, sobretudo com a criação do Conselho de Municípios e Regiões da Europa (CMRE), em 1951, que estimulou a ideia. Em Portugal não existe nenhum “conselho” nacional que oriente ou estude as dinâmicas geminatórias. A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) integra o CMRE e, sem dados concretos, adianta ao JL que serão mais de mil os acordos existentes no país.
Ourém, o campeão das cidades-irmãs
A nível regional, Ourém é o recordista das geminações e acordos de cooperação: 13 geminações, 6 acordos de cooperação e 4 cooperações informais, segundo os dados públicos. Há ainda mais de uma dezena de casos em análise, fora pedidos e visitas de interessados, segundo adianta Luís Albuquerque (PSD-CDS), presidente do município. Só Leiria se aproxima desta dinâmica.
As geminações são uma tendência crescente desde os anos 90, mas foi o socialista Paulo Fonseca quem deu o grande impulso de internacionalização, ligando Ourém a sete outras cidades em oito anos e deixando vários processos iniciados. Segundo Luís Albuquerque o foco principal destes acordos é a partilha de experiência em torno do turismo religioso de Fátima. A actual gestão procurou contenção, apostando em parcerias e não geminações, mas as cooperações com cidades continuam a aumentar no mesmo ritmo. Hoje encontram-se em iniciativas educativas, culturais, desportivas e visitas empresariais.
Sendo uma ideia “muito bonita”, as geminações frequentemente sucumbem após as primeiras viagens, constata. Ourém mantém maior dinâmica com a rede Santuários da Europa (que engloba sete cidades), Le Plessis-Trévise (França), São Filipe (Cabo Verde) e Ourém do Pará (Brasil), realizando ou recebendo visitas pontuais dos restantes.
O receio, admite, é a massificação de acordos, que geram despesa e nem sempre trazem retorno. “Por um lado é bom”, reconhece, “sentimos que trabalhamos bem”. Mas o objectivo final, sublinha, passará sempre por trazer mais turistas e investimento para o concelho.