Sociedade

“Ficaria feliz se a música de Leiria conseguisse um estatuto semelhante ao dos moldes” - Hugo Ferreira

15 out 2015 00:00

O empresário dos moldes e responsável pela Omnichord Records acredita que é na cultura que residem os factores diferenciadores e de progresso de qualquer país. Preconiza, por isso, um Portugal onde a música possa ser um elemento diferenciador

A primeira viagem que fiz sozinho, depois da licenciatura, foi à Islândia e vim de lá com a ideia de que “tinha” de arrancar com uma editora em Leiria (foto: Ricardo Graça)
Foto: Ricardo Graça
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Jacinto Silva Duro

É o responsável pela Omnichord Records, uma editora que aposta apenas na música de Leiria. O que o leva a investir num meio musical tão pequeno?
Quando voltei à cidade, depois de terminar a licenciatura em Direito, percebi que Leiria era mal vista no País. Isso chateava-me profundamente. Havia um certo estigma contra a cidade. Mas sempre notei que havia muita entreajuda e já tinha notado esse espírito na Maceira. Há lá um sentido de comunidade muito importante que se nota a nível industrial. Manuel Domingues, Leonel Costa, António Febra ou Luís Febra são empresários importantes dos moldes que são naturais de lá e percebe-se que num local que fique mais longe de um centro, as pessoas unem-se mais. É esta noção de comunidade que está a acontecer no meio musical de Leiria. Espero que também aconteça, a curto prazo, na comunidade musical portuguesa, em relação à Europa e ao Mundo. Se é difícil e não conseguimos ter sucesso lá fora, temos de nos juntar para alcançar objectivos

A sua ideia de interajuda e criação de uma “marca” para a música, é muito semelhante ao que aconteceu na Islândia.
Sem dúvida. Quando voltei para Leiria, arranquei com uma empresa do sector dos moldes, a Tratamentos Térmicos do Oeste (TTO) e ingressei na Fade In, mas tive sempre a ideia de criar uma editora musical... Na minha cabeça, estava presente ainda o jornalista que mais gostava de ler, do tempo d'O Independente: Miguel Esteves Cardoso e a história que ele escreveu como ninguém sobre a Factory Records, a editora de Tony Wilson e alguns amigos. Juntos pegaram em Manchester, uma cidade cinzenta e feia, de que ninguém queria saber, abriram um clube – a Hacienda – e colocaram Manchester no mapa em apenas três ou quatro anos. Porquê? Porque o Tony Wilson estava na BBC e conjugaram-se os astros. Mas voltando à pergunta, a primeira viagem que fiz sozinho, depois de terminar a licenciatura, foi à Islândia. Vim de lá com a ideia de que “tinha” de arrancar com uma editora em Leiria. Isso aconteceu porque vi como eram os músicos de lá e percebi que eram pessoas normalíssimas que tiveram a em comunidade. Leiria tem condições para avançar nesse sentido. E é assim que Omnichord Records aparece, em 2012, porque há muitos bons músicos na região... estamos com três anos e pouco de existência.

Estão a chegar à marca de Tony Wilson e da Factory Records.
Estamos a tentar. Mas isto é Portugal e é preciso um pouco mais de tempo. Estas foram as premissas para pensar que poderia criar uma editora, mas o mérito é dos músicos. Tenho pena de não ter mais tempo e dinheiro para investir, porque há muitos novos projectos que estão a ficar de fora desta vaga, mas é humanamente impossível, neste momento, fazermos mais na Omnichord Records. A editora é uma espécie de cooperativa de pessoas. Quando uma banda toca, os outros vão ouvir. Quando são precisos instrumentos, há quem empreste. Há uma ligação entre os artistas, que têm noção de que quero o melhor para eles e que irei sempre tentar ajudá-los. Por exemplo, o André Barros, que tem dois discos connosco, pertence a um circuito de música clássica e eu fui sincero com ele, disse-lhe que não conseguia trabalhar os espectáculos dele ao vivo e fomos ter com o António Cunha, da Uguru. Fomos bater-lhe à porta e ele está neste momento a tocar na Casa da Música, no CCB e vai estar ligado a nomes como Rodrigo Leão e Rui Massena. Está com a pessoa que, a nível nacional, melhor vai trabalhar com ele.

Les Crazy Coconuts, que junta pop e sapateado, é, provavelmente, a mais exótica das bandas da editora. O que pensou quando a banda se apresentou?
Gosto sempre de ser advogado do diabo. Adoro coisas estranhas, mas gosto de pôr as pessoas a pensar naquilo que querem. Num dos primeiros contactos que tive com os First Breath After Coma, ainda se chamavam Kafka Dog, quiseram saber o que achava da música deles. Perguntei-lhes se queriam a minha opinião sincera ou se queriam uma palmadinha nas costas. Pediram sinceridade e, durante quase um ano, acho que se me vissem do outro lado da rua, não atravessavam. Disse-lhes o que tinha de dizer, que tinham de encontrar o seu caminho, porque estavam a ser uma banda igual a muitas outras. Não ficaram satisfeitos… quando os ouvi no Zus! - concurso de jovens talentos – eles já eram outra banda, eram do outro mundo. Com os Coconuts aconteceu algo semelhante. Fui ao primeiro concerto em Pombal e, no fim, disse-lhes que sapateado com bateria, só se fosse num registo mais acústico para dar a preponderância ao sapateado.

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