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Está de volta o Hádoc: do negócio do lítio ao nacionalismo cristão, sete filmes que também são política
Entre os documentários que vão passar no Teatro Miguel Franco, em Leiria, e que segundo a organização mostram um estranho mundo novo, encontra-se No Other Land, premiado com um Óscar

O regresso inesperado dos Blur, um golpe de estado no Congo, a ocupação de território da Palestina por Israel, os sonhos do antigo guerrilheiro e presidente do Uruguai “Pepe” Mujica, mas, também, o impacto das alterações climáticas no modo de vida de uma tribo africana, a ascensão do nacionalismo cristão nos Estados Unidos e a luta da aldeia de Covas do Barroso contra a multinacional do lítio Savannah Resources. Faz tudo parte de “um olhar atento sobre um estranho mundo novo”, anuncia a organização do Hádoc, que volta a acontecer em Leiria nos meses de Abril, Maio e Junho.
Quando a realidade supera a ficção, como parece ser o caso nos dias que correm, o Hádoc responde com “uma das edições mais politizadas”, segundo Nuno Granja, um dos coordenadores e programadores do festival de cinema documental. “Não que tenhamos tido alguma intenção particular ao seleccionar os filmes, mas a situação global, num mundo pós-pandemia assolado por conflitos que põem em causa o equilíbrio mundial, naturalmente influencia quer os criadores, quer a equipa de produção. Quando olhamos para a programação final constatamos uma tendência mais interventiva no tipo de obras seleccionadas”.
Com um carácter próximo do formato de cineclube, o Hádoc procura oferecer ferramentas – para os espectadores “analisarem o mundo a partir de ângulos interessantes, por vezes inesperados e muitas vezes polémicos”, em que “a mensagem é a experiência em si” – e não ambiciona projectar qualquer tipo de visão, pessimista ou optimista. “Os próprios autores dos filmes olham para o mundo em escala de cinzentos e não numa perspectiva tão preto ou branco”, comenta Nuno Granja. “Se tivesse de resumir de outra forma diria que não apontamos caminhos, levantamos questões”.
O cartaz da 14ª temporada: sete longas e sete curtas, distribuídas por sete terças-feiras, no Teatro Miguel Franco, sempre com início às 21:30 horas. Inclui No Other Land, Óscar de 2025 para melhor documentário, que será exibido a 22 de Abril, e ainda Blur: To The End (1 de Abril, na sessão de abertura, como tradicionalmente, dedicada à música), Soundtrack to a Coup d’Etat (8 de Abril), Os Sonhos de Pepe (13 de Maio), Entre as Chuvas (27 de Maio), Má Fé (10 de Junho) e A Savana e a Montanha (24 de Junho). Produções que envolvem dez países: Reino Unido, Bélgica, França, Países Baixos, Palestina, Israel, Nigéria, Estados Unidos, Portugal e Uruguai.
“Alguém disse uma vez que todas as obras de arte são necessariamente políticas”, assinala Nuno Granja. “Há filmes que obrigam a repensar ou a reimaginar o que antes se via como claro ou óbvio. Os documentários em particular têm uma capacidade fantástica que é a de nos fazerem questionar”.
Depois de Searching For Sugarman, em 2013, é a segunda vez que o festival traz a Leiria um documentário oscarizado. E ainda conta com Soundtrack to a Coup d'Etat, também nomeado. Nuno Granja relativiza o estatuto conferido pela estatueta: “Pessoalmente, acho que apresentar os louros de “Vencedor do Óscar” junto do filme é uma excelente manobra de marketing, importante para a promoção da iniciativa e atracção do público, mas que me diz muito pouco enquanto programador. É um selo de uma determinada parte da indústria cinematográfica (com sublinhado em indústria) que diz mais das intenções dos responsáveis por atribuir o prémio que dos filmes em si”.
Na verdade, não faltam galardões na lista de 2025 do Hádoc, que abrange premiados do Sundance Film Festival, do International Documentary Association, do Thessaloniki Documentary Film Festival, do IDFA, do CPH:DOX, do Tribeca Film Festival, do Calgary Film Festival, do Hot Springs Film Festival, do Washington DC Filmfest, do Flickers' Rhode Island Film Festival e do Lima Alterna Festival Internacional de Cine.
Cada sessão vai reunir uma curta e uma longa e a ementa de aperitivos é composta por O Meu Nome é Tuvsho, Na Floresta, Do Outro Lado da Linha, Blood Rider, Entre Montanhas e Sereias, Chatos São os Outros e Vagar, produções provenientes da Mongólia, Suíça, Austrália, Nigéria, Áustria, Reino Unido e Portugal.
Em 2024, o Hádoc atingiu 88 filmes exibidos e mais de 4.500 espectadores, na soma de todas as edições.
É produzido pela ecO -Associação Cultural, com os parceiros TeraStudio e 99.media e apoios da Câmara Municipal de Leiria, do Teatro José Lúcio da Silva, da Direcção-Geral das Artes, da Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses e da Fundação Caixa Agrícola Leiria.
Teatro Miguel Franco, Leiria, 21:30 horas
> > 8 de Abril
Soundtrack to a Coup d’Etat, de Johan Grimonprez
“Documentário que retrata o surgimento (e as consequências) de uma campanha no Congo para o país se separar dos colonizadores belgas, com a música jazz americana como uma espécie de banda sonora.O filme retrata o presidente dos EUA, Dwight Eisenhower, como crítico do activista congolês Patrice Lumumba, e a CIA como uma poderosa organização capaz de assassinar com o intuito de resolver problemas políticos no estrangeiro, como foi o do Congo”.
Curta: Na Floresta
> > 22 de Abril
No Other Land, de Yuval Abraham, Basel Adra, Hamdan Ballal
“Basel Adra é um jovem activista palestino da aldeia de Masafer Yatta e luta desde a infância contra a expulsão em massa da sua comunidade pela ocupação israelita. Yuval, um jornalista israelita que se junta à sua causa, e, no decorrer de metade de uma década, eles lutam contra a expulsão ao mesmo tempo se aproximam. Esse vínculo complexo é assombrado pela extrema desigualdade entre os dois”.
Curta: Do Outro Lado da Linha
> > 13 de Maio
Os Sonhos de Pepe, de Pablo Trobo
“Entre todas as formas que Pablo Trobo poderia ter escolhido para retratar o protagonista deste filme – o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica – o cineasta decidiu retratá-lo como um viajante incansável pelo mundo. Na bagagem, aparentemente simples, Pepe leva muito: as suas mensagens contra a pobreza, a desigualdade e o consumismo desenfreado que é a causa maior da deterioração ambiental do planeta”.
Curta: Blood Rider
> > 27 de Maio
Entre as Chuvas, de Andrew H. Brown e Moses Thuranira
“Explora uma infância presa numa cultura tradicional vítima das alterações climáticas. Durante um período de baixa pluviosidade recorde no norte do Quénia, a tribo Turkana enfrenta confrontos cada vez mais violentos com tribos rivais e predadores selvagens que caçam o seu gado”.
Curta: Entre Montanhas e Sereias
> > 10 de Junho
Má Fé, de Stephen Ujlaki e Christopher Jones
“A perigosa ascensão do nacionalismo cristão nos Estados Unidos. Parte crónica de arquivo, parte exposição, o filme revela a maquinaria política secreta que tem procurado incessantemente enfraquecer e destruir a democracia americana para promover a sua visão autoritária”.
Curta: Chatos São os Outros
> > 24 de Junho
A Savana e a Montanha, de Paulo Carneiro
“Rodado integralmente com a comunidade de Covas do Barroso, no concelho de Boticas, apresenta-nos a luta desta aldeia contra a multinacional britânica Savannah Resources, que planeava construir uma das maiores minas de lítio a céu aberto da Europa junto às suas casas”.
Curta: Vagar