Viver
Discos, filmes e livros para a quarentena
Nos dias que correm, uma vez que são desaconselhadas as concentrações de pessoas e como os cinemas, teatros e espaços culturais públicos se encontram encerrados à espera que volte a ser seguro podermos dar abraços e demonstrar afecto, o que fazer quando se está em casa, em reclusão?
O JORNAL DE LEIRIA lançou o desafio a alguns dos seus opinadores e especialistas em Literatura, Música e Cinema de elaborar uma lista de nutritivos alimentos para a mente, onde não faltam relíquias da sétima arte, discos raros, livros de rara elevação intelectual e algumas actividades para se fazer no seio familiar.
Discos para sete dias
Hugo Ferreira, fundador da Omnichord Records
Fela Kuti – The Vest Of Black President – Num momento de reclusão necessária, podemos e devemos viajar sem sair de casa. Para uma introdução ao universo único do afro-beat, podemos começar por este disco do seu maior representante, Fela Kuti.
Nina Simone – Nina Simon’s Finest Hour - Nina tem uma voz e uma aura única e é tão difícil escolher um disco que propomos esta compilação, que nos serve de introdução a um universo que tem tanto de jazz como de canções.
Tom Zé – Brasil Classics 4 – The Best Of Tom Zé. Compilação de introdução ao mundo de Tom Zé que mostra um dos maiores pensadores e criativos da música brasileira desde a invenção da tropicália, à mistura de um caldeirão de influências musicais onde as palavras parecem desconstruir o ritmo e reconstruir uma nova ordem.
Lhasa – La Llorona - Lhasa nasceu no seio de um circo e, no meio de uma infância e juventudes de itinerância foi absorvendo múltiplas culturas e conseguiu condensá-las num disco de estreia onde transforma o choro e a melancolia em hinos de esperança e de garra. Deixou-nos precocemente mas o legado dos seus dois discos é autêntico raio de luz.
Serge Gainsbourg – Les 50 plus belles Chansons - Se alguns autores se conseguem introduzir numa compilação, em relação a Serge Gainsbourg propomos uma colecção de 50 canções. É, provavelmente, o mais criativo (e polémico) músico que a Francofonia viu nascer e, desde a chanson à electrónica, passando pelo rock e pelo dub ou trip-hop, conseguiu ser genial em praticamente tudo.
Portishead – Roseland NYC Live - Com o sector da música ao vivo suspenso, recuperamos aqui uma gravação exímia de um concerto dos britânicos Portishead em Nova Iorque, um daqueles momentos de perfeita comunhão e harmonia onde tudo se alinhou e, mesmo em disco, conseguimos ter uma sensação de presença humana e artística assinaláveis.
José Mario Branco – Resistir é Vencer - Receita para os dias de hoje num disco dos início do século, o último de originais lançado por um músico, pensador e activista que, assumindo a tradição e procurando a inovação, inspirou e inspira centenas a quererem criar e milhares a quererem construir um mundo melhor.
João Brilhante, promotor cultural
Metronomy – The English Riviera - A synth-pop dos Metronomy vai ajudar a esticar os músculos e contribuir para aquela coreografia parva que só fazemos em casa. Nas limpezas também funciona muito bem.
Hercules & Love Affairs - Hercules & Love Affairs - Estar em casa não é sinal de estar parado. Boa altura para arrumar as gavetas da casa e da mente com este projeto do dj nova-iorquino Andy Butler. Dançar entre as divisões é preciso!
The Strokes – Is This It - Isto pela manhã cai muito bem. O dia ganha outra energia ao som de Last Nite ou Modern Age e sempre dá para ir sonhando com o concerto no Alive em Julho.
Arctic Monkeys – Tranquility Base Hotel & Casino - Nas horas de trabalho, recomendo um dos melhores disco dos últimos anos. A companhia de Alex Turner, agora com menos fúria e mais tranquilidade, vai ajudar a riscar as to do lists.
ABBA – The Visitors - Um disco dos Abba sem êxitos? Talvez, mas verão que rapidamente se tornará um sucesso nas matinées e soirées improvisadas aí marquise.
David Byrne – American Utopia on Broadway - Um disco que serve para qualquer altura, a bem dizer. Também recomendo vivamente ver no Youtube ou noutras plataformas as prestações ao vivo ou em programas de televisão. Soberbo.
Reservoir Dogs – Original Motion Picture Soundtrack - Poderia sugerir qualquer banda-sonora do Tarantino, mas esta é especial. E como nos filmes do Tarantino, também iremos dar a volta à realidade com heroísmo… colectivo.
Sete filmes para outros tantos dias
Nuno Granja, presidente da ecO – Associação Cultural
A convite do Jornal de Leiria aqui segue uma lista de sete documentários, para outros tantos dias da semana, em jeito de sugestão. Estarão acessíveis via Netflix, HBO ou RTP Play.
A ideia é que, face ao actual cenário epidémico, as pessoas estarão em casa mais tempo e terão oportunidade para aceder a este tipo de conteúdos, para ler, ouvir música, etc. O ponto de partida é estar em casa, o que não é a realidade para muitos, que nem a economia nem os cuidados aos outros se compadecem necessariamente com o pânico do momento.
Para os restantes, aqueles que efectivamente estão em casa e a trabalhar remotamente, gerir o tempo entre as urgências profissionais, as tarefas domésticas e as crianças a correr pela casa, não deixa necessariamente tempo livre para aceder a conteúdos de entretenimento, mas é sempre possível alargar o acesso a estas propostas no tempo, já que se avizinham algumas semanas difíceis pela frente...
Haverá ainda quem (como é o meu caso) não tenha acesso às plataformas pagas, mas é sempre um bom momento para avançar com os períodos de experimentação gratuitos e usufruir dos mesmos.
Chavela, de Catherine Gund e Daresha Kyi | 89 min. | México, Espanha, EUA | 2017 . Esta primeira proposta nem sequer está disponível na RTP Play, mas vale a pena (voltar atrás no tempo na magia das boxes de TV e) ir ao dia 13 de Março, às 23 horas, na RTP2, para encontrar e (re)ver este magnífico documentário sobre Chavela Vargas.
Chavela foi uma icónica cantora costa-riquenha, radicada desde cedo no México, onde fez parte do prolífico panorama artístico de meados do século passado. Conviveu com Garcia Lorca, Diego Rivera e Frida Kahlo, com quem se diz ter vivido um tórrido romance.
Apesar de, apenas aos 81 anos ter assumido publicamente a sua homossexualidade, esta mulher que “usava calças e bebia tequilla”, deixou como legado, a par de uma vasta carreira musical, vários corações femininos partidos, entre os quais o de Ava Gardner.
Hálito Azul (RTP Play), de Rodrigo Areias | 78 min. | Portugal | 2018. Rodrigo Areias consegue aqui um belíssimo documentário, com uma fotografia avassaladora e uma dimensão humana que é, no fundo, o cerne do filme.
Acompanha o quotidiano da comunidade piscatória de Ribeira Quente, em São Miguel, nos Açores.
Robin Williams: Come Inside My Mind (HBO), de Marina Zenovich | 112 min. | EUA | 2018. Robin Williams é um nome incontornável da comédia.
A voz que mais se ouve, no documentário, é a do próprio Williams, o que torna este filme quase um relato na primeira pessoa.
Muita imagem de arquivo e de filmes caseiros que nos permite vislumbrar a loucura de Los Angeles no final dos anos 70 e inícios dos anos 80 do século passado, bem como o ambiente familiar e o processo de Robin Williams.
E, claro está, um painel imenso de entrevistados de renome que privaram com o comediante.
At The Heart Of Gold: Inside The USA Gymnastics Scandal (HBO), de Erin Lee Carr | 85 min. | EUA | 2019. Esta é uma proposta para vós e para mim, que ainda não tive oportunidade de ver o filme.
Está bastante bem cotado pela crítica e analisa o escandaloso registo de abuso sexual na equipa nacional de ginástica norte-americana.
Como ficou provado, em tribunal, uma prática reiterada ao longo de quase duas décadas, estando no centro da polémica Larry Nassar, o médico da equipa.
Virunga (Netflix), de Orlando von Einsiedel | 100 min. | Reino Unido, Congo | 2014. Com produção do Leonardo di Caprio, que há já vários anos tem emprestado o nome e o capital a causas ambientais, este é um filme incontornável para entender a ameaça que as multinacionais movem aos recursos naturais do planeta.
Por isso mesmo, não sendo recente, decidi incluí-lo nesta lista de sugestões.
O Parque Nacional do Virunga, no Congo, sítio protegido da UNESCO e um dos últimos refúgios dos gorilas de montanha, esteve no meio de fogo cruzado entre forças governamentais e milícias rebeldes, em 2012.
O riquíssimo subsolo do parque aguça a ganância da SOCO, uma empresa britânica que, sem escrúpulos, alimenta o conflito, em busca de dividendos futuros.
El Pepe: A Supreme Life (Neflix), de Emir Kusturica | 74 min. | Argentina, Uruguai, Sérvia | 2018. Um filme de Emir Kusturica sobre e com “Pepe” Mujica, em que este fala do seu passado, da sua vida, do que aprendeu enquanto guerrilheiro, prisioneiro e presidente da república, os seus ideais e visão para ao futuro.
É realmente preciso alargar a sinopse?!
American Factory (Netflix), de Steven Bognar e Julia Reichert | 110 min. | EUA | 2019. O vencedor do Óscar de melhor documentário em 2019 e mais uma escolha “às cegas”.
Ainda o tenho na coluna de filmes “por ver”, mas fica, ainda assim, a sugestão.
A premissa é interessantíssima: uma empresa chinesa abre uma fábrica, no Ohio, nas antigas instalações da General Motors, dando emprego a 2000 trabalhadores americanos.
Após o optimismo inicial, as diferenças entre a cultura de trabalho americana e chinesa fazem-se sentir duramente.
Erica Faleiro Rodrigues, directora artística do festival utopia.co.uk
Este é um momento importante para pensarmos na Itália de uma forma positiva, um país que sempre nos deu tanto culturalmente. Nos próximos dias, que tal ver um belíssimo filme italiano por dia?
Sugiro sete filmes que revejo sempre com prazer.
Roma, Cidade Aberta (1945) Realizador: Roberto Rosselini. Enquanto Roma é ocupada pelos Nazis, cruzam-se histórias de vida. Entre as personagens, encontram-se Pina, Francesco e Manfredi, líder do movimento da resistência romana.
O padre Pietro ajuda a resistência, transmitindo as suas mensagens e auxiliando o movimento financeiramente.
A Gestapo captura o padre e interroga-o, tentando convencê-lo a trair a sua causa.
Roma, Cidade Aberta é considerado um exemplo fulcral do Neo-realismo, formando juntamente com Paisà - Libertação e Alemanha, Ano Zero a chamada Trilogia Neo-realista (Fonte: Media Filmes)
Ladrões de Bicicleta (1948) Realizador: Vittorio De Sica. O mais famoso filme do neo-realismo italiano, da autoria de Cesare Zavattini (argumentista) e Vittorio De Sica (realizador).
A história de um desempregado a quem roubam a bicicleta, necessária para encontrar trabalho.
A desesperada busca é pretexto para uma crónica da Itália em crise no pós-guerra.
Mas Ladri di Biciclette é, principalmente, um dos mais comoventes retratos de uma relação entre pai e filho. (Fonte: Cinemateca Portuguesa)
Leopardo (1963) Realizador: Luchino Visconti. Baseando-se no premiado romance de Lampedusa, Visconti conta a história de Dom Fabrizio Salina (Burt Lancaster no grande papel de sua carreira), um refinado príncipe da Sicília que testemunha a decadência da nobreza e a ascensão da burguesia, durante a Unificação da Itália, em 1860 (Fonte: RTP)
Fellini 8½ (1963) Realizador: Frederico Felini. Guido Anselmi (Marcello Mastroianni) é um realizador que está a tentar ultrapassar uma crise de inspiração.
Durante uma estadia numas termas, todos os seus fantasmas lhe aparecem, como que em sonhos, misturados com as pessoas reais que frequentam o local ou que o vêm visitar: familiares, actores, produtores e até críticos.
Como não consegue encontrar soluções para o seu próximo filme, Guido mergulha nas recordações de infância e a sua imaginação divaga.
E quando já se prepara para abandonar o projecto, todas as personagens lhe voltam a aparecer.
Guido junta-as todas e dá a ordem de filmar. 8 ½ é um dos grandes clássicos de Fellini, e a personagem de Guido é, no fundo, um auto-retrato do próprio realizador à procura de novo ímpeto de criatividade.
Realizado por Federico Fellini em 1963, recebeu dois Óscares: Melhor Filme Estrangeiro (Itália) e Melhor Guarda-roupa (Fonte:Público)
A Batalha de Argel (1966) Realizador: Gillo Pontecorvo. Baseado em factos reais, este foi um filme proibido em França, sobre a luta pela independência na Argélia.
Foi a 1 de Novembro de 1954. Uma mensagem da Frente de Libertação Nacional lança a batalha de Argel. Começa a escalada terrorista.
Multiplicam-se as torturas. As tropas francesas conseguem prender os principais chefes da guerrilha.
Até Ali la Pointe, a 7 de Outubro de 1957. A batalha de Argel é uma vitória para as tropas francesas.
No entanto, três anos mais tarde, a revolução retumba nas ruas, num momento em que a população argelina reclama a sua independência.
Filme com 3 nomeações para os Oscars Vencedor do Leão de Ouro, em Veneza. (Fonte: RTP)
Querido Diário (1993) Realizador: Nanni Moretti Um misto de comédia e documentário autobiográfico dirigido e interpretado por Nanni Moretti.
O filme, que valeu ao cineasta o prémio melhor realizador em Cannes em 1994, divide-se em três partes.
No primeiro episódio, “Na Vespa”, Moretti circula por Roma na sua vespa, insurgindo-se contra a destruição do espírito da cidade que se perdeu na vulgarização de subúrbios, para desembocar numa peregrinação-tributo a Pasolini.
Este é sucedido por “As Ilhas” (por onde paira a referência a Rossellini) e do mais burlesco “Os Médicos”.
Querido Diário é um olhar morettiano sobre a Itália dos anos 90 e possivelmente o filme mais popular do realizador. (Fonte:Festa do Cinema Italiano)
A Grande Beleza (2013) Realizador: Paulo Sorrentino. Em Roma, durante o Verão, o escritor Jap Gambardella (Toni Servillo) reflecte sobre a sua vida. Tem 65 anos de idade, e desde o grande sucesso do romance O Aparelho Humano, escrito décadas atrás, não concluiu nenhum outro livro.
Desde então, a vida de Jep passa-se entre as festas da alta sociedade e os luxos e privilégios da sua fama.
Quando se lembra de um amor inocente da sua juventude, Jep cria forças para mudar a sua vida, e talvez voltar a escrever. (Fonte: Medeia Filmes)
Ideias com livros
Patrícia Martins, animadora cultural
Graça Sampaio, professora
Lista de livros para a quarentena do Corona Vírus
Para as suas crianças:
O Palhaço Verde, de Matilde Rosa Araújo
Releia:
A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós
Sinais de Fogo, de Jorge de Sena
Romance moderno:
Estuário, de Lídia Jorge
Divirta-se com:
A Ronda das mil belas em frol, de Mário de Carvalho
Se gosta de poesia:
País Possível, de Ruy Belo
Se o afastamento social durar, deve munir-se de:
A Queda dos Gigantes, de Ken Follet (em quatro volumes)