Abertura
Covid-19 é baptismo de fogo para jovens médicos e enfermeiros
Muitos ainda não terminaram a especialidade, alguns ficaram com estágios suspensos, outros terminaram a licenciatura e foram colocados na linha da frente do combate à Covid-19. A pandemia virou a vida do avesso a toda a população mundial. Os profissionais de saúde foram os primeiros a ser chamados e os mais novos não ficaram para trás
Discordam com a expressão de terem sido ‘lançados aos leões’, porque garantem que têm todo o apoio da equipa que integram, as dúvidas são rapidamente esclarecidas e as decisões apoiadas. No entanto, todos têm as suas funções e são autónomos para tratar dos seus doentes.
Apesar de estarem preparados para dar resposta ao nível de cuidados médicos ou de enfermagem, a experiência ainda não existe, mas o contexto obriga-os a pensar rápido e a tomar a melhor decisão para o doente que têm à frente.
O JORNAL DE LEIRIA foi conhecer a história, os sentimentos e o dia-a-dia de três médicos e de uma enfermeira a quem a pandemia antecipou a entrada na vida activa de um hospital.
Liliana Freire, 23 anos. Natural de Redinha, Pombal, terminou a licenciatura de Enfermagem na Escola Superior de Saúde do Politécnico de Leiria, em Julho de 2020. Estava a trabalhar numa unidade de cuidados continuados quando soube que o Centro Hospitalar de Leiria, onde já tinha estagiado, estava a aceitar candidaturas espontâneas. Dois dias depois quiseram contratá-la.
“Comecei no dia 2 de Dezembro na antiga cirurgia I, que agora é uma área Covid. Nada nos prepara para uma pandemia, nem a nós nem a ninguém. É tudo muito assustador, confesso. Aquilo que muda muito é sermos um serviço à porta fechada por causa da transmissão do vírus. Isso mete-me alguma confusão, porque estamos habituados a ter a porta aberta e a espreitar os doentes. Não conseguimos ter uma vigilância tão apertada”, conta Liliana Freire. Os cuidados prestados aos doentes são os mesmos, mas é precisa uma “gestão mais apertada”.
“Há colegas que ficam em isolamento e é preciso compensar. Exige mais de nós, porque temos de fazer turnos que à partida não faríamos.”
Apesar da formação de base incluir lidar com a morte e com a doença, a pandemia supera qualquer aprendizagem teórica. “Assusta-me ter uma pessoa muito bem e de repente vê-la a ‘afundar-se’ e temos de ser muito rápidos na tomada de decisão. Não é a falta de cuidados da nossa parte que faz com que as pessoas descompensem. O que me dá um aperto maior no coração é saber que somos a última pessoa que aquele utente vê. Custa-me, porque sinto que a família não tem tempo para se despedir e para fazer o luto como deve ser.”
Liliana Freire constata que quando os óbitos são esperados acaba por ser menos dramático, mas nas áreas Covid “as coisas acontecem muito rápido”.
“Tive de fazer duas comunicações à família e isso custou-me muito, porque nunca sabemos qual vai ser a reacção do outro lado. Temos de dar tempo à pessoa para digerir e, infelizmente, nem sempre temos esse tempo. Queríamos dar tempo à pessoa, responder às perguntas e sinto que acabamos por não dar a notícia como esperam, porque estamos a pensar em todos os outros doentes que ainda temos para ver.”
A jovem enfermeira tenta não levar o hospital para casa, mas confessa que já chegou a casa triste e contou à mãe que não conseguiu aplicar os seus conhecimentos quando noticiou uma morte. “Senti que a pessoa precisava mais de mim do que podia dar. Em termos emocionais perguntamos sempre: como é que terá ficado a outra pessoa?”
Quando entrou no hospital de Santo André estava no serviço dos chamados 'nims'. “Vinham num contexto negativo mas a qualquer momento podiam positivar. Entretanto, passámos a um serviço Covid e as rotinas são completamente diferentes. Os doentes são muito semelhantes, mas nesta vaga começámos a receber mais novos, até próximos da idade de alguns profissionais de saúde, e isso tem um impacto na própria equipa.”
Liliana Freire elogia o grupo que integra e garante que nunca julgaram os seus conhecimentos ou dúvidas. “Sempre me disseram para perguntar o que precisasse. Eles próprios estão a passar por um processo de adaptação e, em Março, também era tudo novo para eles, como agora é tudo novo para mim. Apesar de ser a mais nova não sinto que me tratem de maneira
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