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Constantino Alves, dramaturgo e poeta: “A escrita não é um dom”

20 ago 2016 00:00

Professor do I Ciclo do ensino Básico, Constantino Alves nasceu em 1958 em Leiria. Frequentou o antigo Magistério na cidade e mais tarde licenciou-se em Ensino Básico. Fez um mestrado em Teatro, na ESAD.CR.

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Jacinto Silva Duro

O sua peça de 2009, Sopa de Massa, que marca um período fértil da sua produção para o teatro, é uma comédia?
É uma tragicomédia. Escrevi-a como forma de me solidarizar com os sem-abrigo, inspirado em momentos de sobrevivência e sacrifício que também tive, na parte mais louca dos meus 20 anos, quando vivia do teatro, na corda bamba. É uma peça com muita ironia, que sublinha a situação daquelas pessoas que estão desamparadas e que, por causa disso, vêem o mundo de outra perspectiva. Ainda há tempos, estive a ler um livro do Manuel Jorge Marmelo, onde ele fala das prisões onde vivemos. Embora vivamos com pensamento livre, acabamos por ter algumas prisões: as rotinas, as limitações financeiras... A existência dos sem-abrigo faz-nos desconstruir a nossa vida diária e estas barreiras. Tento fazer luz sobre essas vidas marginais com algum humor e sátira à nossa sociedade.

Com uma linguagem muito "quotidiana", vernacular...
Uma "linguagem de rua". Gostei muito de a escrever e ainda pensei numa continuação do tema, mas a tarefa revelou- se complicada. Tentei, mas o resultado não me satisfez. A Sopa de Massa marca, efectivamente, esse período. Em jorro, escrevi meia-dúzia de peças. Tenhoas na gaveta. São coisas com vários actores e o Pedro Oliveira [director artístico d’O Nariz – Teatro de Grupo], ainda me pediu outra sobre pessoas de rua, chamada Balneário, passada à volta de um balneário em Alcântara. Escrevi ainda outra peça, de que gosto especialmente, e que apresentei no meu mestrado, aproveitando o tema da crise. Fui buscar o tema da Grande Depressão de 1929, nos E.U.A., e falei da decadência num circo. Depois disso, escrevi Uga, o homem que fala, cuja acção se passa no Paleolítico Superior. No seio de um grupo de hominídeos, há um que fala, que acaba por ser o líder e que tenta ensinar a caça, a dança e até falar aos outros, avisando- os que devem evitar certos erros no futuro... Vivemos, hoje, um período de dúvidas. Nos anos 80 e 90, achávamos que as nossas questões iam ter resposta em breve, mas, actualmente, há cada vez mais dúvidas… Neste momento, usa a sua experiência como professor, para escrever as suas peças mais recentes, mais voltadas para o serviço educativo.

Estão a ser usadas pel'O Nariz para conduzir visitas guiadas no mosteiro da Batalha e no Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota (CIBA).
Mais uma vez, o Pedro Oliveira pediu-me para escrever essas peças. A mais recente, Aljubarrota - O Brilho das Histórias foi escrita durante as férias de Verão, que é o meu período mais activo na escrita. Fiz uma pesquisa histórica e escrevi um trabalho mais educativo, mais informativo, com rigor histórico, para todas as idades e que serve para apresentar não apenas a visitas escolares mas também a historiadores e militares que conhecem os eventos de 1385. A história acontece durante a visita de D. Duarte, filho de D. João I, ao campo de batalha, 40 anos depois. O rei vai a caminho do Porto, onde está a armada que vai conquistar Ceuta, em 1415 e encontra um velho escudeiro que combateu na batalha ao lado de Nun'Alvares e de D. João I, que lhe conta histórias e lendas do que aconteceu. O Pedro Oliveira apresentou a peça no Mercado Medieval de Leiria, há semanas. Era para ter sido mostrada na rua direita, o único sítio onde se poderia adaptar à cidade, mas infelizmente, quem era responsável pelo evento, trocou o local pelo castelo, onde não havia espaço, sem avisar. Se isto acontecesse nos anos 80, até compreenderia, mas, na actualidade? Não se pode mudar um trabalho artístico sem se consultar os autores!

Por falar em anos 80, faz parte da história do teatro de Leiria.
Passou pelo TELA e pelo Teatro Ambulante, nesses anos, e representou com Miguel Franco. Quando entrei para o Magistério, conheci o encenador Andrzej Kowalski e estivemos os dois ligados à Casa da Cultura de Leiria, que era uma organização acoplada ao Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis, actual Instituto Português da Juventude. Ele montou lá um grupo de teatro. Um ano depois, tive como professor de Expressão Dramática, o Carlos Fragateiro, que foi director do Teatro Nacional D. Maria II, que foi decisivo na minha carreira. Por volta de 1981, o Andrzej e o Fragateiro conseguiram um subsídio estatal e criaram o TELA, para onde, além de mim, foi o Luís Mourão, o Carlos Silva, o Rui Almeida, o Carlos Rosa...

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