Desporto
Carlos Valente: “Para estimular o seu uso, a máscara poderá ser um adereço com as cores do clube”
Foi director de segurança dos estádios de Leiria e Guimarães e cumpre gora essas funções em Famalicão. Carlos Valente faz uma análise daquela que poderá ser a adaptação do futebol aos próximos tempos.
Viveu por dentro o Euro’2004, no Magalhães Pessoa, com snipers colocados no topo dos prédios da Avenida 25 de Abril no jogo entra a França e a Croácia. Depois, esteve no centro da organização do desafio entre as selecções da Bélgica e de Portugal em Leiria, logo após atentado em Bruxelas. Mudou-se para Guimarães, onde viveu de perto a loucura que acompanha o Vitória de Guimarães e a média de 19 mil espectadores por partida.
Esta temporada está em Famalicão, onde um novo projecto, ambicioso e intenso, não dá folgas. Carlos Valente foi director de segurança no Estádio Municipal de Leiria durante década e meia. Na última temporada exerceu a função no Estádio D. Afonso Heniques, em Guimarães, e agora trabalha no Estádio Municipal de Famalicão. Três contextos radicalmente diferentes, aprendizagens atrás de aprendizagens que lhe permitem falar do próximo desafio que o futebol profissional vai ter de enfrentar.
Os estádios, no pós-Covid-19, serão obrigatoriamente diferentes. As grandes concentrações de pessoas, por exemplo, são agora impensáveis. No entanto, as preocupações são transversais e atingem também os atletas em treino e sobretudo em competição. Os responsáveis pela segurança dos estádios já estão a preparar um plano para o regresso do futebol?
As atenções neste momento estão centradas nos planos de salvação económica dos clubes e das sociedades desportivas. Esta é a prioridade no momento. Enquanto perdurar o Estado de Emergência, o recomeço será apenas uma previsão, pese embora a Liga tenha no seu horizonte ainda concluir esta época, entre Junho e Julho. Em matéria de segurança, por enquanto, cada um vai estudando o assunto individualmente, tomando por base as recomendações da Direcção-Geral da Saúde. Os planos de segurança que vierem a ser apresentados terão como base essas linhas orientadoras. Uma certeza há: nada será como antes. As medidas que se começam a preconizar passam pela realização de jogos à porta fechada e, com a possibilidade de assistência, com um número de adeptos que garanta as condições de segurança que evitem possíveis contágios.
Quais são as medidas que devem ser tomadas no que concerne aos adeptos?
O actual momento permite-nos apenas prever possibilidades e encontrar soluções hipotéticas que se adaptem às circunstâncias do momento. Quando as condições estiverem reunidas, vamos pensar na criação de perímetros de controlo térmico antes das zonas de revista e validação de ingressos, com respectivo impacto em termos operacionais. Outras medidas passarão por alargar o distanciamento entre cadeiras, criar zonas de ninguém entre sectores, definir circuitos de entradas e saídas que permitam distanciamento entre adeptos, recalcular a lotação dos estádios e a acomodação orientada e ordenada no interior dos estádios, repensar os horários de abertura de portas e promover a obrigatoriedade de máscara de protecção. Para estimular o seu uso, até poderá servir como adereço com as cores do clube.
Será necessária uma constante limpeza das bancadas?
Essa deverá ser uma acção a ter em conta nos procedimentos de manutenção. E, como boa prática, recomenda-se que a seguir à limpeza e remoção dos lixos seja incluída a desinfecção. Pode passar pela pulverização com hipoclorito de sódio ou a utilização de outros desinfectantes que sejam eficazes nos espaços utilizados e também naqueles que são pouco ventilados, como balneários, postos médicos, bares e WC.
Poderemos alguma vez voltar a ver os estádios cheios?
Não acredito que no actual momento alguém sinta conforto ou deseje estar inserido num ambiente de multidão. Logo, o número de espectadores irá sofrer uma redução significativa, não só por isso, mas também pelas medidas que se têm de ser adoptadas. Será necessário esperar pelas soluções que a comunidade científica nos der e depois adquirir e transmitir confiança. Não estar assustados, mas cientes daquilo que nos pode acontecer. Este vírus será eliminado quando atingirmos a imunidade populacional ou quando houver vacina. Todos os intervenientes na organização dos espectáculos, pelo que vierem a fazer nos aspectos preventivos, terão uma palavra a dizer naquilo que será a reposição da normalidade.
A questão dos balneários é preocupante nos grandes palcos, mas não será ainda mais nos pequenos campos?
Existe um conjunto de procedimentos que terão de ser levados em linha de conta. Primeiro, a consciencialização e responsabilidade inerente à protecção individual de cada um. Depois, a limpeza e desinfecção dos espaços e dos materiais e equipamentos que forem utilizados. As federações e as associações deverão criar campanhas de sensibilização e um pacote de recomendações para que as direcções dos clubes exijam a sua aplicação aos dirigentes, treinadores e praticantes. A Covid-19 é um problema de todos e é a acção de cada um que vai determinar os efeitos da sua minimização.
Qual será a solução para estes ambientes de grande proximidade?
Certamente que cada caso é um caso, mas começaria por criar circuitos de circulação distintos e reservados exclusivamente a grupos previamente definidos. Depois, criava uma área de desinfecção num local que anteceda a entrada para cada balneário e dividia os grupos de trabalho de forma a estabelecer distâncias seguras. E depois, o que nunca poderá faltar até exterminarmos o inimigo: consciencialização, responsabilidade e protecção individual. Pelo que parece, os adolescentes não estão inseridos nos grupos de maior risco, mas não podemos baixar a guarda.
Além destas, quais são os focos de maior preocupação para os responsáveis pelos recintos desportivos do País?
É garantir que as actividades recomecem sem perdas humanas e que tudo fique bem. Tomo como exemplo a atitude da Federação Portuguesa de Futebol e também da Associação de Futebol de Leiria quando deram por terminados os campeonatos que organizam. Tiveram coragem e sentido de responsabilidade e decidiram no momento certo, agiram em conformidade com os princípios da defesa da vida humana.
Bélgica em Leiria após atentado, Euro’2004, o entusiasmo de Guimarães. Ao longo da sua carreira associada aos grandes palcos do desporto do País passou alguma vez por algo tão desafiante?
Este é um desafio à humanidade, um teste às nossas capacidades de resiliência, um convite do divino à reflexão. Perante isto, apenas sei que independentemente do meu, ou do percurso profissional de cada um, este é o maior desafio que todos nós temos em mãos. Um desafio colectivo e não individual.
“Quando estiverem reunidas as condições, poderemos pensar na criação de perímetros de controlo térmico antes das zonas de revista e validação de ingressos”