Economia

Abel Braz: “Qualquer dia, a cultura predominante na zona de minifúndio serão as silvas”

26 nov 2024 08:00

O presidente da Copombal explica como, num cenário de declínio da agricultura de minifúndio, a cooperativa persevera e volta a inscrever o seu nome no ranking das 100 maiores em Portugal

abel-braz-qualquer-dia-a-cultura-predominante-na-zona-de-minifundio-serao-as-silvas
"Em 2023, facturámos mais de 7,5 milhões e, este ano, chegaremos aos 7,4 milhões. Temos 14 funcionários efectivos e colaboradores para a formação profissional", Abel Braz
Jacinto Silva Duro
Jacinto Silva Duro

Como é que a Copombal alcançou a lista das 100 maiores cooperativas em Portugal?
A Copombal foi fundada a 16 de Novembro de 1976. Em 2026, fará 50 anos. Conta com as vertentes agrícola, pecuária e formação prossional. Inicialmente, a parte agrícola era muito forte, com a cultura do tabaco. O nosso concelho foi um dos maiores produtores nacionais, mas, infelizmente, devido a normas comunitárias e outros motivos, o tabaco deixou de se produzir. Pagou-se para não se produzir. Não terá sido apenas por defesa da saúde pública, mas de interesses económicos, porque continuamos a importar tabaco da América Latina. O tabagismo não diminuiu, pelo contrário, e perdeu- -se uma fonte de receita para muitos produtores do concelho. Infelizmente, isso também se repercutiu no volume de negócios da própria Copombal. Hoje, temos agricultura de subsistência. O nosso agricultor são pessoas de 60, 70 e 80 anos e não há quem queira continuar a actividade numa zona de minifúndio, voltada ao ostracismo por parte das entidades ociais. O consumidor não valoriza o agricultor que, muitas vezes, é considerado um criminoso, que provoca atentados ambientais ou um incendiário... Em Pombal, o pequeno agricultor produz para subsistência e o excedente é vendido nos mercados. Costumo dizer, por brincadeira, que esta agricultura é para a higiene mental deles, não mais do que isso.

Poderá haver uma revolução a nível da agricultura de minifúndio? Talvez o emparcelamento ou outro tipo de culturas?
Nasci no Portugal ultramarino, em Angola. Vim de lá com 25 anos e quando tomei conhecimento da realidade portuguesa, disse sempre que fazer aqui emparcelamento é muito di ícil porque há um sentimento de posse da terra. A terra é um elo familiar, que passa dos bisavós, aos avós, aos pais, e as pessoas, mesmo as novas gerações, não vendem terrenos. Preferem deixar em pousio e não cultivam. E há o problema das heranças... Qualquer dia, a cultura predominante na zona de minifúndio serão as silvas. Verdadeiramente, o espírito cooperativo, em Portugal, não existe. É uma falácia. Se formos a Espanha é totalmente diferente. Chegamos à Galiza e muda-se totalmente. Naquela região, há uma grande cooperativa onde o agricultor trata de tudo. Até o automóvel compra na sua cooperativa, pois é ela quem negoceia o preço, já que, pela sua dimensão, tem maior facilidade. Aqui, não há o verdadeiro sentimento de cooperativismo. Temos 10.599 associados e é verdade que temos alguns produtos mais baratos e outros mais caros, mas, se a maior parte deles viesse cá fazer as compras, teríamos outros preços que não podemos ter neste momento. A parte pecuária também é outra vertente que, ao longo dos anos, tem vindo a ver um declínio muito acentuado. Fui veterinário municipal de Pombal até 2010 e em 1988, fiz um censo e havia então mais de 18 mil bovinos e mais de 30 ordenhas colectivas. Há muita gente hoje que tem formação superior, graças à persistência dos pais e das suas duas ou três vaquinhas, que iam a ordenha, de manhã e à noite. Havia prosperidade nas aldeias. Havia também à volta de 40 mil pequenos ruminantes. Hoje, há cerca de 1.800 grandes ruminantes e pouco mais de 8 mil pequenos. As pessoas não conseguem repercutir no preço de venda o que gastam e vão desistindo. No caso dos suínos, na década de 90, tínhamos mais de 1.200 manifestos de pessoas com grandes produções pecuárias, agora temos pouco mais de 30. A nossa agricultura está de rastos. O sector avícola continua forte, devido às grandes empresas.

Na Copombal há agricultores que não pertencem ao concelho de Pombal?
Temos produtores de leite do concelho de Leiria. Juntaram-se a nós, após a extinção da Cooperativa de Leiria. Já tivemos mais produtores de leite, mas foram acabando a actividade porque as despesas são grandes e o preço do leite tem flutuações muito grandes. Estes produtores de Leiria, têm grandes produções; oito ou dez deles produzem mais do que quando tínhamos mais de 40 ordenhas. Produz-se leite em grande escala, com sistemas robotizados, muita tecnologia e outra filosofia.

Nesta situação, como é que a cooperativa consegue entrar na lista das maiores em Portugal?
Temos feito uma boa gestão, modéstia à parte. Eu e os meus colegas fazemos como se fosse a nossa casa. Poupança até ao cêntimo. Depois, temos aqui a venda de combustíveis, que é uma mais-valia, pois temos preços concorrenciais dentro da marca. E há ainda a parte da formação profissional, que gera movimento não directamente para a cooperativa, mas para o associado. Em 2023, facturámos mais de 7,5 milhões e, este ano, chegaremos aos 7,4 milhões. Temos 14 funcionários efectivos e colaboradores para a formação profissional. Financeiramente, estamos bem, os relatórios de contas assim o dizem. As pessoas dizem que sou muito miudinho. Sou! É um hábito meu. Por exemplo, ver luzes acesas sem estar ninguém, incomoda-me. Ver uma torneira pingar, fico varado. Pergunto logo aos colaboradores, se, em casa deles, também é assim.

Perfil

Ligação à terra


Abel António Dias Braz é presidente da Copombal há 23 anos, mas está ligado a ela desde 1988.
 
Começou a exercer como veterinário no concelho em 1985, quando era director do Matadouro da Figueira da Foz, e, pouco depois, Guilherme Santos, o então presidente da Câmara de Pombal, insistiu para que se tornasse veterinário municipal.
 
Ocupou o cargo até 2010, quando se aposentou, mas manteve-se à frente da Copombal.
 
Quase a terminar o actual mandato, sempre com a mesma equipa, pondera se voltará a candidatar-se.
 
“Muitos sócios, dizem-me para continuar enquanto puder e fazer mais um mandato, pois agora há uma limitação.
 
Ainda falta um ano para chegar ao fim deste e poderei ponderar no assunto se tiver condições de saúde.”