Opinião
Simplicidades tamanhas
Falo daqueles instantes que nos surpreendem por tão simples que são e por isso desproporcionais ao tamanho daquilo que nos oferecem
Uma vez fiz uma lista das coisas que detesto, coisas pequenas mas chatas à brava: moscas, nódoas, punhos molhados, pés frios, mãos sujas, jardins cimentados, ovos agarrados à casca… Banalidades apenas, nada que comprometa na realidade. Depois pensei que talvez fosse mais inteligente, até porque mais positivo, listar o que realmente gosto de fazer, o que me chega verdadeiramente ao âmago. Mas fiquei desiludida, afinal não havia assim tanto para escrever.
Esse exercício fez-me pensar. Fez-me olhar para dentro e questionar se me privo ou sujeito pouco ao que a vida tem para dar, ou se de facto devo apenas aceitar que assim seja. Obviamente que não falo aqui de questões basilares implícitas à felicidade de todos nós, como a saúde, a amizade, a segurança e o amor. Falo daqueles instantes que nos surpreendem por tão simples que são e por isso desproporcionais ao tamanho daquilo que nos oferecem. Estou certa que sabem do que falo.
Para uns um copo de vinho numa mesa bem servida, para outros uma corrida matinal ou um livro ao fim do dia. Que coisas simples vos preenchem? Podia escrever sobre o que nos assusta e perturba diariamente, o mundo não vai para melhor como sabem, tudo indica que a humanidade não esteja a evoluir para a sua melhor versão.
No entanto, proponho antes que nos dediquemos mais vezes ao que nos faz e sabe tão bem. É um lugar-comum, eu sei, mas quantas vezes o fazemos? Eu, por exemplo, sei que certas melodias, combinações de acordes e de instrumentos musicais desencadeiam em mim uma série de reações químicas capazes de regular a minha sensação de bem-estar.
Emocionam-me, provocam-me arrepios e desconfortam até, de tão inesperadamente impactantes. E não me refiro aqui à relação da música com a memória afetiva, falo de amor à primeira vista, da primeira vez.
São precisamente músicas com este poder neurotransmissor que encabeçam a listagem dos meus pequenos grandes prazeres. Acessíveis, simples e à distância de um play. E vocês, onde encontram esta plenitude?
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990