Opinião
Setembro
Em tempo de recomeços, bom seria que todos fossemos realmente mais capazes de olhar, e ver, os outros
É um mês partido ao meio, entre a despedida e a chegada, entre a quietude e o recomeço do bulício, entre um Outono a chegar, aqui, e um Verão à vista na outra metade do mundo, e entre as nossas duas formas de estar. É o mês com um nome ciciado, dito como num sussurro, suave e leve, quase como um segredo, a guardar talvez a sabedoria de saber ser começo e final, ao mesmo tempo.
Sobram as saudades dos dias longos, da cintilação do mar, da pacatez do campo, e das brisas leves; das longas conversas em volta da mesa até muito depois de terminada a refeição, da lentidão preguiçosa das manhãs, da modorra abafada das tardes, e das madrugadas sem pressas nenhumas.
Saudades das vozes que se ouvem em volta de uns olhos fechados ao Sol, dos gritinhos na festa da água dos mais pequenos e dos salpicos frescos que chegam à pele. Saudades do brilho dourado do entardecer, do murmulho das folhas das árvores e do cheiro a terra molhada, e quente.
Saudades de não precisar de saber das horas ou dos dias, e de o Tempo se medir apenas pelo “hoje” que aconteça, e pelo pouco que possa ser necessário pensar do amanhã. Viver de pés no chão e corpo livre, viver à solta escolhendo os pequenos prazeres e dando tréguas às obrigações; não ter destino, e ter apenas o propósito de não precisar de chegar, deixando viver essa outra metade que somos, essa nossa outra forma de estar.
Depois, agora, num curto espaço de tempo, talvez horas apenas, voltar à metade que mais mostramos ao mundo, voltar à vida do resto do ano com o prazer do primeiro agasalho e das meias nos pés, na celebração do nosso equinócio particular. Aqui chegados, que comece então o aconchego do sofá, a recolha de pinhas para a próxima lareira acesa, a troca da roupa nas gavetas, e o prazer de um recomeço que signifique mais do que reencontrar rotinas.
Que aconteça a vontade de fazer o mesmo, mas de modo um pouco diferente, que se comece finalmente o que sempre se tem vindo a adiar, que se invente um pequeno, secreto, e feliz desvio à rotina, que se vá mais ao cinema, que se leia um pouco mais, que se telefone mais à família, que se torne possível mais um jantar com os amigos, que se deixe, definitivamente, uma coisa que muito nos aborrece, e que ao toque do despertador não se siga um suspiro, porque vai começar um dia que não apetece.
Que recomeçar não seja apenas continuar o que, e como, sempre foi feito, que tenhamos a curiosidade e a disposição de encontrar, em quem já conhecemos, outras facetas e novas sintonias, e que se crie e se construa alguma coisa que nos dê prazer a nós e a outros. E, em tempo de recomeços, bom seria que todos fossemos realmente mais capazes de olhar, e ver, os outros.
Não por uma obrigação ética, não por a inclusão estar na ordem do dia, não para exercermos algum socorro e um alívio da consciência, mas porque se é o olhar do outro que nos reflecte, e se dele iremos ser também reflexo, precisamos então que esse encontro aconteça, e que dele surjam descobertas, conhecimento, quem sabe criação, quem sabe sabermos mais de nós, talvez.