Opinião
Romance simples de entender
Ele anda a aprender a mudar fraldas e a tirar as espinhas ao peixe
Conheceram-se muito jovens. Olharam-se, gostaram do que viam.
Quanto bastou para um namoro de anos. Apoiado por todos, pois então, que faziam um casal tão bonito.
Mas há que ser produtivo em tudo o que se faz, mesmo nesta coisa de gostar só porque sim e porque nos sabe e faz bem.
Para quando o casamento, era pergunta mil vezes repetida.
Fizeram a vontade aos intrometidos impetrantes e lá se casaram num dia soalheiro, solenes e mil vezes fotografados.
Beijinhos muitos e a mando que é desnecessário acrescer ao bolo de noiva o preço de um novo serviço de louça e os paizinhos, agora compadres, já adubaram em notas e por muitos anos as árvores e o relvado da quinta de tão bonita que estava para o copo-de-água.
E foram de lua-de-mel. E voltaram de lua-de-mel. Felizes e viajados.
E voltaram aos empregos e às rotinas e às coisas todas de que são feitos os dias das gentes solteiras, casadas e juntadas.
E para quando um bebé que vos ficava tão bem, ou um netinho para os avós, também pode ser uma menina desde que venha sã e escorreita.
Sim, que trabalhar apenas não chega e estarem casados só por estar é pouco, há que produzir mais e os filhos são sempre uma alegria e uma mais-valia.
E ela lá engravidou feliz e radiante de ouvir o bater do coração do bebé, ritmo acelerado que marcou os dezoito quilos a mais, as hemorróidas, os enjoos, as noites sem posição para dormir que quando conseguia era para acordar que a bexiga reclamava despejo urgente. Mas que felicidade para todos.
E veio o parto, o estender de peles e carnes para além do inteligível, e a alegria do bebé com parecenças de todos que a todos fazia lembrar uma fotografia amarelecida de quando eram tão pequeninos assim.
A felicidade redobrou para contento de todos que foram para suas casas repetir dias.
Ele estava orgulhoso e felizmente era a mãe que tinha que dar mama, mudar a fralda, dormir em sobressalto para confirmar que o recém-nascido respirava em contínuo.
Já não estava tão elegante quanto antes. Tirando os peitos cheios que lhe apeteciam e a ela incomodavam.
E o bebé ali ao lado quase parecia fazer de propósito a reclamar a mãe sempre que ele tentava uma investida, só para ver se ainda se lembrava como era, ainda mais como agora que até parece que ela só tem olhos para o filho.
Vá lá que há sempre quem dê valor ao que outros parecem descuidar. E afinal, se ninguém vier a saber, que mal tem.
Ela soube e não gostou. Destroçou-a ler a palavra amor dirigida a quem não tinha estado sempre ao lado dele.
Separaram-se, é claro. Ele anda a aprender a mudar fraldas e a tirar as espinhas ao peixe.
Ela voltou a sentir-se bonita. Gostou quando viu que ele a estava a ver.
Gostou de tomar a iniciativa e dar-lhe o número de telefone.
Vão jantar amanhã que é o fim-de-semana em que ele fica com o gaiato.
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990