Opinião
Quem quiser que enfie a carapuça
Karl Popper refere que a tolerância ilimitada dirigida a pessoas intolerantes arruína os tolerantes
Se este texto soar a insólito, talvez sejam efeitos secundários da vacina.
O poema de Vinicius de Moraes Insensatez é revelador: Vai, meu coração, ouve a razão / Usa só sinceridade / Quem semeia vento, diz a razão / Colhe sempre tempestade.
Neste mês em que retomamos rotinas após as férias, muitas azáfamas vão reactivar estados de inquietude.
A primeira lei da natureza para Voltaire é a tolerância, “já que temos todos uma porção de erros e fraquezas”, dizia.
Porém, há sempre um bom número de pessoas pouco ou nada disposto a segui-la, incorrendo em enganos recorrentes: entrincheiradas em pensamentos rígidos, tornam-se refractários às críticas e acreditam que as suas posições são incondicionais.
Impõem-se a si mesmas (e aos outros), um conjunto de tarefas que se situam no domínio do excesso.
Também para Voltaire, o antídoto para a intolerância era o humor: “Devemos manter o riso do nosso lado”, escreveu, confiante no poder desse recurso para abrir brechas em mentes empedernidas.
Se “rir é o melhor remédio”, ainda assim nem sempre se despoleta o (sor)riso num caprichoso.
Outra alternativa para enfrentar a intolerância é a empatia – a habilidade de sentir o que o outro sente, a partir da sua perspectiva.
Investigadores da Psicologia definem-na como a resposta emocional que deriva da percepção do estado ou condição no outro, suscitando congruências.
É integrante da compreensão de experiências nos seres humanos, atributo tão básico e relevante quanto os sentidos.
Riso e empatia são cruciais para enfrentar adversidades, mas não são infalíveis quando se lida com a intolerância extrema ou a insensatez recorrente.
Karl Popper refere que a tolerância ilimitada dirigida a pessoas intolerantes arruína os tolerantes.
Há quem pertença invariavelmente ao grupo dos insensatos, dos apavorados e dos conformistas, da etiqueta e do protocolo.
Talvez aqui haja uma dicotomia sem intermédio. Perante os argumentos, os factos vão-se esboroando em visões difusas e antagónicas.
Cada um olha o que quer, na perspectiva que mais lhe convém.
É bom que haja concordância no acto de discordar, sem retaliações ou injúrias.
Sejamos honestos: fazendo uma retrospectiva, com ou sem vacinas, imunizadoras de uma boa parte da população, não evitando a infecção ou a doença, a questão do impacto, não da enfermidade, reside no torpor e medo induzidos.
As medidas draconianas e os comportamentos adquiridos de desinfectar roupa e alimentos, lavar mãos com método, abrir portas com cotovelos, permanência em “bolhas” e circuitos para evitar o contacto, mantêm-se activas.
Ou a imposição de isolamento, mesmo perante resultados negativos e condição assintomática.
São bem mais nefastas para a saúde mental as consequências daqui resultantes, do que um menor risco de infecção a quem circule na sua existência, fora do ambiente restringente, respirando ar livre em plenos pulmões.
É inevitável que à custa de algum infortúnio venhamos a ser infectados.
Até se alcançar a pressuposta situação de convivência do vírus connosco, sem histerias, com algum grau de imunidade – embora não absoluta, assumindo a suscetibilidade em equilíbrio.
A tão propalada “normalidade” não passa de uma miragem.
Que a vida prossiga sem a obsessão dos R(t) e das curvas estatísticas da incidência, pois a existência é tão só, um palco de incertezas.