Opinião

Por um Natal atento

11 dez 2025 08:01

A solidão é o gelo de não termos ninguém a quem dizer ‘boa noite’ e na manhã seguinte ninguém a quem desejarmos um ‘bom dia’

Acontece irmos rua fora na nossa vidinha de sempre e encontrarmos um amigo. É um momento que nos dá felicidade e dela o nosso corpo dá notícia, que nos apetece logo ali sublinhar o prazer do encontro com um aperto de mão que se prolonga um pouco mais, um abraço espontâneo para encostarmos um peito com um coração lá dentro a outro peito de coração igual. Outras vezes beijamo-nos, como se a canoa dos nossos lábios dissesse não recear a navegação na pele do outro.

Acontece, também, cruzarmo-nos com pessoas que conhecemos por esta ou outras mil razões. Caras conhecidas que sabemos de onde as encontrar. Por vezes o nome falha-nos, mas o rosto não, e cumprimentamos com um sorriso de ocasião e o recorrente ‘como vai?’, ao que o outro previsivelmente responde ‘vai-se andando’, sem nunca precisar para onde, o que sempre me leva a concluir que o país não deixará nunca de avançar por falta de andarilhos, restando sempre a questão se estamos todos a andar lado a lado na mesma direção ou se cada um anda às voltas sobre si mesmo e nunca mais iremos chegar a lugar de préstimo para todos.

Acontece, mais amiudadas vezes, passarmos ao lado de pessoas que sabemos já vimos e por quem fomos vistos muitas vezes, mas de quem nada sabemos para além do que imaginamos, que olhamos porque as reconhecemos e que nos olham por reconhecimento igual. Não as saudamos, seria um despropósito contrário ao anonimato e uma sem razão de comportamento.

E neste vai-e-vem de cá para lá sempre trocamos olhares. A confirmar-se o aforismo de que ‘os olhos são o espelho da alma’, tenho para mim que andamos descuidado do bem-estar da alma dos que nos rodeiam e com quem partilhamos o viver. Há vezes em que esses olhares sem palavras trocadas são muito eloquentes e parece que nos tornámos surdos ao que nos querem dizer.

Estamos no Natal. Gostamos de pensar ser um tempo próprio de partilha e para nos dedicarmos aos outros. Fazemo-lo na medida do que sabemos e, de há uns tempos para cá, parece que só o sabemos fazer pelo exercício mercantilista da troca de presentes, vocação deturpada da generosidade de dar. Atrevo-me a deixar uma sugestão de prenda de Natal: porque não tentar olhar o espelho da alma dos outros e escutarmos dentro de nós o que o outro nos está a tentar dizer?

’.A solidão é o gelo de não termos ninguém a quem dizer ‘boa noite’ e na manhã seguinte ninguém a quem desejarmos um ‘bom dia

Talvez pudéssemos todos, por um Natal, sermos atentos ao tão pouco e quase nada saudando quem espelha nos olhos a solidão que lhe corrói a alma.

Um bom Natal!

Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990