Opinião

Pare, Escute e Olhe

14 fev 2025 11:35

Há uma ideia-chave mais relevante que me conduziu a juntar estas duas citações: a luta contra a fragmentação e contra o descarte que nos estão a ser impostos

Meu Caro Zé 
Vivemos num turbilhão que nos esgota e confunde, mas, há sempre a esperança que nunca morre. Por exemplo, fui surpreendido por um discurso do ator Richard Gere, na distribuição dos Prémios Goya, em Granada, Espanha, que não resisto a citar em tradução do inglês: “Estou vindo de um lugar muito obscuro na América. Temos um valentão, um bandido, como presidente dos Estados Unidos.

Mas isso não é apenas nos Estados Unidos, é em todo o lugar.” Em conferência de imprensa já havia dito: “Temos esse casamento incrível do poder e dinheiro, como nunca havíamos visto, porque esses multimilionários irresponsáveis e perigosamente corrosivos estão comandando tudo nos Estados Unidos neste momento, é um perigo para o planeta.”

Nesse mesmo dia, o Papa Francisco, em carta, por ocasião da inauguração do Ano Académico da Universidade de Palermo, referia que uma universidade é “na diversidade, uma grande comunidade”, onde os opostos se encontram, algo que “mais falta na convivência contemporânea, ferida por uma polarização cada vez mais acentuada de pontos de vista”. E acrescenta no final que “diante do fascínio da tecnologia” que “está impregnada de velocidade”, das “inteligências artificiais que nos seduzem com a sua performatividade”, o Pontífice recomenda a lentidão.

Esta ideia recordou-me as tabuletas das passagens de nível de comboios em que estava escrito: “Pare, escute e olhe”. Sem isso, o turbilhão engole-nos porque não há tempo nem espaço para pensar. E o Papa acrescenta que essa lentidão é necessária para ler e “já não é concedida a quem estuda e a quem ensina”, mas choca com a “exasperação dos indicadores de desempenho”.

Há uma ideia-chave mais relevante que me conduziu a juntar estas duas citações: a luta contra a fragmentação e contra o descarte que nos estão a ser impostos. Richard Gere incita a que saibamos escutar o nosso coração e nos escutemos uns aos outros em fraternidade. O Papa conclui a sua mensagem afirmando que a inteligência humana tende a “buscar o bem, e ninguém tem o monopólio dele, nem a sua medida”, porque essa tendência se faz “passo a passo” e “todos juntos”.

Lembrando Hannah Arendt (“Origens do Totalitarismo”): “Só uma nova política conscientemente elaborada poderá reintegrar os que… continuam a ser expulsos da Humanidade”, e (“A condição do homem moderno”): “Poderá acontecer que já não sejamos capazes de compreender… as coisas que, contudo, somos capazes de fazer”. Onde, então, a democracia? 

Até sempre 

Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990