Opinião
Para o ano da graça de dois mil e vinte e quatro
"Custos com combustíveis, habitação, comida, roupa, água, luz e gás, são fonte de privação severa para muitos, sobretudo, pelos baixos salários com que vivem"
Estou sem bola de cristal para antever o ano que começa.
Só sei que haverá dois momentos de eleições e, enquanto isso, teremos um país parado e atascado em “gestão corrente”, que é o mesmo que dizer que ninguém decide nada.
Enquanto escrevo estas linhas é dia de Natal e sucedem-se as reportagens que oscilam entre os fartos banquetes (patrocinados por uma marca qualquer), e as guerras e misérias indiferentes à noite.
Os relatórios sobre a pobreza estão aí para nos envergonhar o ano.
Números que escalaram, não sem motivo.
Custos com combustíveis, habitação, comida, roupa, água, luz e gás, são fonte de privação severa para muitos, sobretudo, pelos baixos salários com que vivem.
A caridade repete-se, com a boa vontade dos que ajudam a minimizar estes efeitos com recolhas e campanhas, mas são uma gota num mar de complexidade.
E isto não pode ser forma de vida, nem nossa, nem daqueles que nos escolheram para cá viver.
De todos os destaques do ano, este é o que escolho para o assinalar, porque é deste que devemos partir para conseguirmos alcançar qualquer coisa de melhor em 2024.
É impossível viver bem com a miséria dos outros. Que sociedade queremos? De pobres? De miseráveis? De dependentes?
Vivemos bem em bolhas de amigos e conhecidos a contribuir com 1Kg de arroz na próxima campanha de supermercado?
Todos conhecemos alguém, com rosto e nome, que passa mal mesmo com trabalho e casa.
Já não chega, cada vez menos. Só o trabalho deixou de ser garantia… da mesma forma que havia essa certeza com a escola, fonte de evolução e critério de “ser alguém”.
É urgente um olhar sobre a pobreza e a vulnerabilidade. E não falo dos pedintes de rua. Falo do todo, como país, como sociedade.
Os “serviços” deixaram de responder com confiança a essas ameaças. Não precisávamos de chegar ao fim de linha para o compreender.
A vulnerabilidade de não ter acesso imediato a uma urgência, por exemplo, atinge-nos como um raio.
Precisamos da coragem de enfrentar isto pelos nomes, não como arma de arremesso duma qualquer campanha que aí vem, mas os problemas estão aí para ser resolvidos.
No coração da história do Natal, há um detalhe assinalável. Há dois grupos que chegam ao menino, os pastores e os reis.
Extremos opostos na bancada social, trazidos a Belém pelo mesmo acontecimento, o nascimento da criança que transformou o mundo num antes e depois.
O fosso do que nos divide parece cada vez maior. É determinante estarmos onde se consigam aproximar posições.
É um dos maiores presentes que nos poderemos dar enquanto humanidade, e são esses os meus votos para o ano da graça que agora começa.
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990