Opinião

O problema dos maus livros

5 set 2025 11:20

Neste mau livro que é o país, as personagens não mandam na história e são meros figurantes

Dediquei o mês de agosto às leituras. Entre almoçaradas e mergulhos, dediquei-me a páginas e páginas de papel – umas com cheiro a novo, outras com cheiro a mofo característico de livros velhos. Os livros provocam-nos emoções como nenhuma outra forma de arte: numa experiência individual de imaginar as personagens, os cenários, as vozes, levamos muito de nós para um livro. É, também, por isso que os livros nos fazem refletir, ou que põem em palavras aquilo que nós pensamos ou sentimos.

Ou melhor, tudo isto acontece quando lemos livros bons, de autores talentosos. Porque haverá poucas coisas que causem mais sofrimento que maus livros – superado apenas por visitas ao dentista e as férias do teu café favorito. Os maus livros causam sofrimento quando têm erros ortográficos ou de sintaxe, quando são tão rebuscados que não são verosímeis, ou quando reúnem um conjunto de clichés sem sentido. Mas, maus livros podem causar irritação – com o autor, as personagens, ou o narrador – por serem previsíveis, sem profundidade, e por ter personagens que não conseguem escapar ao seu destino.

Estas leituras fizeram-me refletir sobre Portugal, e como ultimamente o país parece um livro de um autor pouco talentoso. Por exemplo, as personagens são absolutamente caricaturais, feitas a traço grosso e sem nuances. Um primeiro-ministro desajeitado e parco em qualidades, que tenta criar uma aura de superioridade através do silêncio. Um líder da oposição populista que debita em decibéis elevados as mesmas três frases. Um recém-chegado à arena, com grandes ambições, mas a quem ninguém liga.

O enredo é péssimo, por ser absolutamente previsível. O infeliz primeiro-ministro herdou uma situação muito difícil e por isso é incapaz de resolver seja o que for. O opositor populista é histriónico clamar contra o crime ao mesmo tempo que está rodeado de criminosos. O recém-chegado apresenta com veemência projetos e ideias a quem ninguém presta atenção. E, enquanto cada um faz o papel que lhe foi destinado, sem capacidade de agir para mudar o rumo, Portugal encaminha-se para um final soturno.

Neste mau livro que é o país, as personagens não mandam na história e são meros figurantes. Aconteceu-lhes encarnar o papel, mas são desprovidos de qualidades, de vontade, ou de agência para mudar o seu próprio destino – e ainda menos para mudar o destino de todo o país. Os leitores, o povo português, limita-se a sofrer enquanto se distrai com os ridículos que fazem rir – seja uma festança em plena desgraça, ou um vídeo de um ator sem talento.

Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990