Opinião
O ovo da serpente
Um olhar minimamente atento sobre o exercício da governação dos Estados permite-nos reconhecer Portugal como exemplo de uma democracia plural e inclusiva
No próximo domingo teremos toda a liberdade para votar.
Eleger livremente os nossos representantes é mais que um direito, é um gesto individual para defender a liberdade de cada um, a liberdade de todos.
Vivemos numa democracia inteira e, graças à tenacidade e convicção de muitos, num Estado de Direito com liberdade de associação, pensamento, expressão, manifestação.
Um olhar minimamente atento sobre o exercício da governação dos Estados permite-nos reconhecer Portugal como exemplo de uma democracia plural e inclusiva.
A eleição dos nossos representantes autárquicos é uma das mais preciosas conquistas de Abril.
Natural é, pois, que aquando da apresentação e discussão dos respetivos programas eleitorais se esgrimam argumentos e nela se envolvam as figuras mais proeminentes e mediáticas de cada partido político, bem como cada um deles interprete os respetivos resultados eleitorais como um teste à sua influência a nível nacional.
Por via disso os discursos inflamam-se e, amiúde, as posições se extremem e a comunicação social, com honrosas exceções, assinale-se, tem vindo a dar maior ênfase às ações e palavras dos líderes partidários do que aos candidatos autárquicos.
À nossa autarquia apresentam-se a plebiscito nove candidatos. Todos diferentes entre si, com ideias e propostas distintas no que ao futuro preconizam como melhor para o nosso concelho.
Aos projetos de governação de cada um temos tido acesso através de debates, intervenções, documentação distribuída.
Todos se apresentam aos eleitores com propostas, em teoria, únicas e diferenciadoras, soluções capazes de resolver os problemas que identificam como os mais prementes.
As preocupações, os problemas apontados e as soluções são bem distintas.
Há os que têm do concelho uma visão estratégica global; outros que se centram num ou noutro aspeto em particular com propostas aparentemente resolutivas, mas desgarradas da envolvente; outros ainda que apenas alimentam a sua argumentação em casos particulares, apontando dedos acusatórios e inquisitoriais como se fossem paladinos de uma verdade e saber absolutos.
Em boa verdade, algumas das alternativas apresentadas são manifestamente vazias de fundamentação e mostram um completo desconhecimento da realidade que se vive no nosso concelho. Ideias que pecam por generalistas porquanto não atendem ao particular.
Entre todos, quase nenhuns se mostram disponíveis para um diálogo onde o interesse de todos nós se sobreponha aos seus desígnios partidários.
A construção da democracia evolui pelo contraditório, pelo confronto de opiniões e convicções, mas jamais poderá ter como axioma a destruição do tempo e da obra que antecedeu o momento presente.
É impensável presumir-se construir o que quer que seja a partir do vazio absoluto. Evoluímos de erro em erro e da procura constante da correção do que esteve mal para que amanhã possa vir a ser melhor.
Em democracia a voz de todos e de cada qual conta. Na defesa desse elementar princípio todos são livres de se expressar.
Contudo, lamenta-se que os interesses privados de alguns os levem à cegueira de eleger como arqui-inimigos aqueles que lhes são mais próximos e que, a seu lado também, colaboraram na construção da democracia que hoje vivemos.
Ao invés de sugerirem melhorias e unirem esforços, preferem atiçar as diferenças entre si esquecendo que, enquanto o fazem, alimentam no seio da democracia o ovo da serpente de uma extrema-direita que se deleita e a quem serve a desunião entre democratas.
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990