Opinião
O fogo
Pouco a pouco os pequenos lavradores, envelhecidos e cansados, deixaram de cultivar as suas terras, não precisando de mato e caruma
1- Até aos meus 17 anos nem se dava pelos fogos. O meu avô era proprietário de mais de uma vintena de pequenos pinhais entre o Coimbrão e Monte Redondo e não havia um único por limpar. Os pinhais estavam todos arrendados a outros pequenos agricultores que pagavam ao meu avô, em dinheiro ou milho, os matos que necessitavam para adubar as suas terras. A caruma, as pinhocas, um pinheiro seco ou a secar, tudo era aproveitado. Os desbastes nos tempos certos deixavam medrar o pinhal e as “bicas” da resina davam um bom rendimento anual.
Ali ao lado, o pinhal de Leiria, também limpo, cortado e renovado, vigiado pelos guardas florestais, que habitavam umas casas do Estado peculiares e airosas, mantinham a mata nacional um ecossistema equilibrado. Sem um fogo.
Mas tudo foi mudando. Pouco a pouco os pequenos lavradores, envelhecidos e cansados, deixaram de cultivar as suas terras, não precisando de mato e caruma. E os guardas florestais foram extintos, nessas decisões tão sábias, próprias de um país que não sabe o que faz.
Os pinhais ganharam mato. E os eucaliptais, mais rentáveis, foram-se espalhando, à descarada.
O Pinhal do Rei, sem manutenção adequada, foi ganhando acácias e mato. E foi um sopro que lhe deu!
2 - E os biliões que entretanto chegaram para a agricultura e para fomento do mundo rural, para onde foram? Lembro-me que há bastantes anos atrás, ainda era a CEE, ouvi a notícia que alguns milhões de escudos estavam disponíveis para limpeza da floresta. “É desta!”, pensei eu. E dirigi-me aos serviços florestais de Leiria, esperançoso em conhecer os apoios. O funcionário respondeu-me com um sorriso de desdém: “Oh amigo, isto é para áreas de floresta com mais de 50 hectares! Tem algum pinhal no Coimbrão com essa área?”
Claro que não tinha.
E entretanto, que eu saiba, nunca um pequeno silvicultor foi apoiado com um euro para a limpeza dos seus pinhais. Eles nunca fizeram parte das preocupações de quem decide e sabemos bem porquê. Porque junto dos decisores não há também lugar para os pequenos proprietários.
Nem a nossa cultura de vizinhança incentiva a associarmo-nos para juntarmos as nossas pequenas áreas e realizarmos área florestal de escala. Nem nenhum organismo nos coloca à frente, sem exigir muita papelada, um plano apoiado e sistemático de limpeza das florestas.
3 – Isto dos fogos está mais que visto. Se não ardeu ainda, vai de certeza arder nos próximos anos. Pelos menos a floresta dos pequenos proprietários com menos de 50 hectares!