Opinião
Letras | Carlos Lopes Pires por ele próprio
Nitidamente o poeta assume-se como um poeta sem literatura, ignorante e da província explicando claramente cada um destes epítetos
Devo dizer que sou muito atraída pela limpidez da poesia de Carlos Lopes Pires, o psicólogo/poeta que, fixado desde pequenino em Leiria, trouxe consigo, lá da sua Beira Interior, a transparência líquida da neve e a visão nítida das estrelas, além da inteligência subtil própria dos beirões.
Em setembro último, tive a boa lembrança de ir assistir à apresentação do seu último livro de poemas – CLP não acredita na poesia, apenas no(s) poema(s) – «se houver domingo à tarde», e em boa hora o fiz. Além de tomar contacto com aquela suavidade de livro (mais um, a juntar a outros muitos que o poeta quase desconhecido escreveu), tive a sorte de ouvir (e depois ler) a apresentação do livro do poeta CLP pelo senhor CLP… É assim que aqui trago uma breve análise do livro baseada nessa originalíssima apresentação da obra. Nitidamente o poeta assume-se como um poeta sem literatura, ignorante e da província explicando claramente cada um destes epítetos. Um poeta “sem literatura” porque, ao contrário dos “poetas com literatura” que desenvolvem “temas relativamente impessoais e cheios de importância universal”, nele “proliferam poemas dedicados à família, animais, insetos e amigos. Tem até um livro que dedica a um gato…” e que tem por título «aquele que não ouvirás mais».
Quanto à sua proclamada «ignorância» – sabendo-se que em 2017 lançou um livro com o título «a minha poesia é uma ignorância» – o poeta afirma que “junta-se à simplicidade (que lhe advém dos tempos simples e felizes da sua infância e adolescência em que brincava livremente com os primos e com os tios) e é, igualmente, um afastamento do pensamento literário dominante”. É esse “afastamento dos cânones que o levará a que se diga um poeta da província. É como se fosse uma espécie de clandestinidade ou hermitação.”
Permito-me entrever nestas afirmações um finíssimo laivo de ironia, embora a ironia não se coadune com os seus poemas.
Com efeito, os seus poemas, por detrás da simplicidade dos seus leitmotiv – as rosas, os pássaros, as árvores, a água, a chuva, o seu quintal – revelam um recorte poético próximo do metafísico que nos transporta para uma transcendência simples e pretensamente acessível que nos toca e nos encanta.
Não se creia, porém, que há apenas beleza solar nos seus poemas que falam das rosas e das laranjas e das maçãs e dos gatos. Deles emanam muitas vezes uma tristeza, uma saudade, algo que nos desassossega, que tem a ver com a morte e com a procura de Deus. “Este poeta crê num Deus ausente. Não crê num Deus presente ou escondido em tudo, a que se chama panteísmo. (…) Os poemas são o mundo e não a compreensão do mundo, os poemas são Deus e não a busca de Deus» - diz CLP. E acrescenta: “Esse é o caminho da espiritualidade, o caminho da água, o caminho dos poemas. (…) Deus é o sentimento de alteridade que pode haver em cada um de nós. É o nosso sentimento de transcendência”.
Só lendo os seus poemas algo inquietantes. Mas não se encontram à venda.
Porque não se encontram à venda?!