Opinião
“Ignorância” ou “ideologia”?
A pandemia não abranda e um vírus, que nem é consensualmente considerado um ser vivo, põe em evidência a fraqueza da Humanidade e o seu desconhecimento, ainda tão grande, do mundo em que vivemos.
Meu Caro Zé,
Não te espantes com tantas aspas no título mas, estes tempos da Covid-19 obrigam a ter cuidado com cada termo que usamos, dadas as incertezas e as confusões, naturais ou provocadas, que nos rodeiam.
A pandemia não abranda e um vírus, que nem é consensualmente considerado um ser vivo, põe em evidência a fraqueza da Humanidade e o seu desconhecimento, ainda tão grande, do mundo em que vivemos.
Esta ignorância é bem visível nas alterações sucessivas das posições médicas e científicas sobre o comportamento do vírus e, sobretudo, do modo como atua no ser humano e, consequentemente, das melhores práticas para atenuar os seus efeitos, enquanto se procura a vacina.
É esta ignorância que, com humildade, devemos assumir e é isso que justifica que não se possa nem se deva usar esta pandemia como “arma de arremesso” político, já que é mister que todos procuremos dar as mãos para combater este inimigo virulento.
É que estamos perante um desconhecimento (que vai diminuindo é certo) que não permite a ninguém ter certezas sobre o melhor caminho e, portanto, criticar sistematicamente (porque não tem garantidamente melhor alternativa) as opções tomadas.
Em particular, o sentido de liberdade (posso fazer o que quero), que alguns invocam, é absolutamente inadequado face a uma pandemia que, inelutavelmente, nos torna responsáveis por todos.
Poderíamos, quando muito, critic ar decisões de “ignorância” que seriam devidas à não consideração de conhecimentos já estabilizados consensualmente. “Ignorância” ou “ideologia”?
Daí resulta a defesa de que agora não entremos em jogos políticos a este propósito e “ajustemos contas” depois. Sou, e sempre fui, desta opinião, nas quero deixar aqui bem patente uma “dúvida” que, no fim, vou invocar no “ajuste de contas”. E essa é a falta de preparaç ão do G overno para defrontar o “planalto baixinho” do verão passado.
E há um “slogan” que estava, e está, por detrás dessa decisão que considero absolutamente inaceitável: “Temos de salvar o Serviço Nacional de Saúde”.
Mas o objetivo é salvar o SNS ou garantir a saúde dos portugueses por todos os serviços ao nosso alcance?
Como foi possível não acordar com todas as unidades privadas e sociais, a tempo e horas, em condições de negociação transparentes e não apressadas, esta extensão de serviços?
Quantas vidas (em particular de “doentes não Covid”) são devidas a isto?
E, agora, no meio da confusão, defende-se a “requisição civil” dessas unidades, com o farisaísmo de “preferencialmente por acordo”? Um acordo que nunca se quis porque era o SNS o objetivo.
E cá está, meu Caro Zé, a “ideologia” a comandar. E quem a usa, ou usou, não tem o direito de pedir que não se discutam decisões. Mas porque é passado e há que ir em frente, vamos continuar unidos.
Mas como dizia um conhecido padre leiriense: “Perdoo porque sou católico; mas não esqueço porque não sou burro”.
Até sempre,
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990