Opinião

Holodomor

25 mar 2022 15:45

Uma verdadeira sentença de morte. Um cataclismo ainda pouco falado e conhecido

Holodomor é uma palavra ucraniana que significa “matar pela fome”.

Tal palavra passou a ser empregada no contexto da história ucraniana para definir os acontecimentos que levaram à morte, por fome, de milhões de ucranianos, entre os anos de 1931 e 1933, naquilo que é também chamado de Fome-Terror ou Grande Fome.

O processo é aparentemente fácil de explicar: forçando a colectivização em todos os territórios de domínio soviético, Estaline não teve contemplações para quem contrariava esse plano.

No caso da Ucrânia a colectivização daria ao Estado soviético controlo directo sobre os ricos recursos agrícolas desta nação, permitindo-lhe controlar o fornecimento de cereais para exportação.

Ora, a maioria dos ucranianos rurais, que eram agricultores independentes de pequena dimensão, resistiu à colectivização protestando em larga escala, porque estavam a ser forçados a entregar as suas terras, gado e ferramentas agrícolas e a trabalhar em fazendas colectivas do governo.

A repressão foi violentíssima pela polícia secreta soviética e pelo Exército Vermelho.

Dezenas de milhares de agricultores foram presos por participação em “actividades antissoviéticas”, fuzilados ou deportados para campos de trabalho forçado.

Mas além da repressão em massa, o Kremlin passou a requisitar mais cereais do que os agricultores podiam fornecer.

Quando resistiram, brigadas de activistas do Partido Comunista varreram as aldeias e levaram tudo o que era comestível, não deixando absolutamente nada de sobra.

E a milhões de pessoas restou-lhes apenas o caminho da morte.

Vagueando a esmo pelos campos e estradas fora, com todos os campos completamente rapados de qualquer alimento comestível, morreram diariamente às dezenas de milhares, num sofrimento indizível, ao ponto de recurso ao canibalismo.

E, à medida que a fome aumentava, as autoridades soviéticas ainda fecharam as fronteiras da Ucrânia, impedindo os camponeses de procurar comida no exterior, recusando apoio estrangeiro no fornecimento de alimentos.

Uma verdadeira sentença de morte. Um cataclismo ainda pouco falado e conhecido.

Enquanto que para a Ucrânia e muitas outras nações a “grande fome” foi um verdadeiro genocídio que os ucranianos não conseguem esquecer, porque se afirmou a vontade de exterminar todo um povo, para a União Soviética de então, e para a Rússia actual, tudo se resume à perspectiva de que nada foi intencional e que qualquer outra interpretação é uma mera “interpretação nacionalista” da fome.

Na verdade, nas negociações da ONU, na década de 1940, para a definição do conceito de genocídio, a União Soviética e seus aliados forçaram a exclusão de algumas categorias por receio que as suas medidas contra o campesinato e opositores políticos pudessem ser também consideradas “genocídios”.

E, por isso, a definição de “genocídio” da ONU não enquadrou a grande fome da Ucrânia de 1932-33.

Uma fome que matou nesses dois anos, estima-se, mais de três milhões de ucranianos, ou, no pior dos cenários, cerca de 10 milhões!

O que permite a alguns, com razão, compararem-na ao Holocausto.