Opinião

Diz-me o que citas, dir-te-ei quem és

27 ago 2021 15:45

É tão óbvio que a praxis política deve ser conduzida pela ética (caramba, já os gregos o sabiam!)

Uma das frases que mais amiúde tenho ouvido citada em determinados sectores políticos de determinada área ideológica, talvez só porque estou mais envolvido nas dinâmicas pré-eleitorais e portanto mais atento ao argumentário político, é atribuída a Francisco Sá Carneiro: “a política sem risco é uma chatice e sem ética uma vergonha”.

Tem servido para tudo e para mais alguma coisa, normalmente rematando um raciocínio, logo assim, sem mais nem menos, ao mesmo tempo que implicitamente lança a outrém a acusação de falta da ética.

É aplicada naturalmente por políticos ou simpatizantes partidários descontentes ou ressabiados com alguma coisa, em determinada circunstância, e que nada encontram de mais legítimo que tirar do contexto uma frase de um político que aprenderam a venerar, como se o refúgio nessa citação final tornasse os seus argumentos inatacáveis e eticamente impolutos.

É tão óbvio que a praxis política deve ser conduzida pela ética (caramba, já os Gregos o sabiam!), que o próprio Sá Carneiro ficaria agastado por motivo da sua frase ser repetida até à exaustão, indiscriminadamente.

Já a ouvi a dirigentes partidários criticando a oposição interna; e em contrapartida já a ouvi a candidatos criticando a sua direcção, por não terem o apoio desejado às suas pretensões políticas; já a li mal citada; já a li escondida em falsos perfis do Facebook; já a li citada por quem de tudo se faz valer - menos da ética - para tentar atingir os seus fins políticos.

Nada pior para uma frase com sentido profundo que ser constantemente desgastada pelo mau uso que dela fazem os maus usurários.

Resta saber se quem faz essa citação conhece minimamente o percurso de Sá Carneiro e dos seus correligionários que se bateram pela liberdade, se conhece a origem comum da social-democracia e do socialismo e dos seus grandes ideais.

Resta saber se quem cita Sá Carneiro conhece a sua luta pela democracia antes e pós a Revolução de Abril, pelos direitos humanos, pela dignificação da política, por um certo ideal de desenvolvimento, baseada na vontade do povo.

E já que temos a liberdade de citar a esmo, sempre direi que Sá Carneiro também disse: “A participação política tem sido sempre encarada por mim como um dever de cidadania, uma forma de servir a comunidade, a que me entrego livremente, colocando sempre os princípios e as causas acima dos interesses e jogos pessoais, princípios de que não abdico” e “democrata é aquele que pratica a democracia e não aquele que dela apenas se reinvindica” ou, ainda, “não há nada que pague a sinceridade na acção política, como em tudo” e “é pena que todos aqueles que se dizem democratas, na prática não respeitem o jogo democrático e as posições partidárias diferentes das próprias” e, finalmente, “não encaro a política como uma carreira, nem sequer como uma profissão, encaro-a efectivamente como correspondência a um dever de cidadania”.

Fim das citações!