Opinião

Cinema | Vemo-nos pelo caminho

30 jul 2021 00:00

Para ser honesto, confesso que me estou um bocadinho a borrifar para os Óscares

Não é exatamente como se me estivesse completamente a borrifar… é só um bocadinho.

Na realidade, o “selo” dos Óscares, enquanto prémio representativo de uma das maiores indústrias de cinema do mundo (a mais mediática, garantidamente), é extremamente útil quando é preciso “vender” filmes, especialmente ao grande público, que… não se está a borrifar para os Óscares. 

Serve esta introdução como pobre justificação para apenas recentemente ter tomado tempo para ver Nomadland (que em Portugal dá pelo nome de Nomadland – Sobreviver na América), o mais recente filme de Chloé Zhao.

Filme que arrebatou três das principais estatuetas nos referidos Óscares (Melhor Filme, Melhor Realização e Melhor Atriz), depois de ter conseguido o mesmo resultado nos Globos de Ouro, a menos do prémio para Melhor Atriz, e somado aos mesmos três prémios o de Melhor Cinematografia, nos BAFTA.

São muitos troféus que na realidade dizem pouco acerca do filme em si, que merece ser visto e revisto e cuja qualidade e sensibilidade extravasam a atribuição de quaisquer galardões.

A minha vontade é socorrer-me da citação de Giacometti que utilizei nesta mesma coluna, no mês passado: “o propósito da arte não é reproduzir a realidade, mas sim criar uma realidade com a mesma intensidade”.

Aliás, é uma citação tão boa, tão boa, que se calhar a vou repetir em todas as colunas doravante.

Certo, talvez não... mas a realidade é que é uma citação que encaixa perfeitamente como referência deste Nomadland, onde, retirando Frances McDormand e David Strathairn, que asseguram os “papéis principais” do filme, os restantes intervenientes não são atores profissionais, mas sim verdadeiros nómadas, que emprestam parte das suas vidas para a construção deste enredo.

McDormand intepreta Fern, uma mulher de meia-idade que, após perder o marido e, na sequência do fecho da fábrica onde ambos trabalhavam, em Empire, no Nevada, (povoação que ela própria se torna “fantasma”) decide juntar uns poucos pertences e partir, sem rumo definido, numa carrinha, que lhe serve de lar.

Entre trabalhos temporários (num mega-armazém da Amazon, num restaurante de fast-food ou a fazer limpezas num parque de caravanas) Fern atravessa os “grandes espaços exteriores”, os the great outdoors americanos, na tradição quer de Whitman ou Thoreau, mas também de Kerouac, onde acaba por encontrar uma comunidade que partilha os valores deste nomadismo, motivados por um sentimento de desilusão (algo paradoxal) com o capitalismo.

Peter Bradshaw, do The Guardian, refere-se a Nomadland como “uma versão muito doce e positiva de Mad Max, onde as pessoas que viajam em carrinhas e camiões são meras almas «hippyescas» que apenas se querem ajudar umas às outras”.

É mais ou menos isto.

Mas é muito bonito, intenso e cru.

Merece ser visto.

See you down the road.

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990