Opinião
Café de bairro
A garotada não se fez rogada e banqueteou-se com guloseimas
A D. Florinda e o Sr. Vítor chegaram ao bairro vai para dois anos e instalaram-se num espaço destinado a ser um café de bairro que a todos servisse.
Os locatários anteriores tinham deixado um rasto de fraca memória.
O primeiro esqueceu-se que estava num bairro onde há gente que dorme e as noites deixaram de ser descansadas, o seguinte nunca tomou o pulso à vizinhança e esta também nunca aderiu à oferta.
Lá se foram até que – semanas antes do primeiro confinamento geral de há dois anos – apareceu este casal e fez-se anunciar com o inaudito nome de “Toscano”, vindos da Toscânia, pensei eu antes de saber que estava redondamente enganado e ainda hoje estou para saber porque se chama o espaço assim.
Mas vamos ao que interessa. O casal lá dispôs o espaço a seu gosto e marcou data para a inauguração, convite alargado à populaça que não se fez rogada.
Afinal, enquanto por ali andavam nos preparativos, sempre foram cordiais e simpáticos, saudando quem passava com um sorriso mais para o franco e que de todo parecia ser do seu carácter, e nada aparentado com cumprimento postiço ou de circunstância.
Lá fomos, com os gaiatos à frente, degustar doces e salgados, cafezinhos e outras bebidas usuais ao mister.
A garotada não se fez rogada e banqueteou-se com guloseimas.
Feitas as apresentações, saciadas as bocas de sede e curiosidade era hora de cada um pagar o seu consumo, mas logo ali que não, era o que mais faltava, então as senhoras e os senhores e os miúdos também, são nossos convidados.
Este primeiro aconchego de palavras e atitudes parecia ser um bom prenúncio de convivência entre quem presta um serviço e de quem dele sente necessidade.
Seguiram-se os intermináveis meses em que ficámos reféns de uma pandemia e o nosso café de bairro e a sua modesta explana se fez quimera dos tempos em que a rua era o prolongamento da casa.
Voltámos à dita normalidade possível e o casal reabriu portas para contentamento de todos, que esta coisa de beber um cafezinho à porta de casa é um luxo de que poucos se poderão gabar.
Estava tudo preparado para nos receber, meios e produtos dispostos como convém, com o acréscimo de refeições rápidas e prontas comer em casa para melhor conforto dos comensais.
Talvez porque a ausência nos estreita a amizade ou tão-somente porque há quem faça da simpatia modo de estar na vida, houve uma profusão de sorrisos honestos neste reencontro.
Talvez porque os esperávamos ou porque sabiam que deles estávamos à espera, a verdade que é que aqueles dois deixaram de ser apenas o casal que detém a exploração do café do nosso bairro e passaram a ser parte intrínseca do próprio bairro.
Que o diga a criançada do bairro que no largo fronteiro passa os dias em brincadeiras que lhe são próprias e devidas, mas sempre sob o olhar atento deste casal que deles cuida como se laços de família os unissem.
Curioso é notar que a criançada os respeita e lhes segue as instruções.
E quando, por vezes, acontece haver uma ausência mais prolongada de um progenitor por afazer inadiável, logo os catraios nos asseguram e tranquilizam que ficam bem entregues com um “não há problema, estão lá o Sr. Vítor e a D. Florinda”, e nós vamos confiantes e agradecidos por os saber lá à beira do nosso café de bairro.
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990