Opinião

A insustentável presença da pureza no ensino

15 ago 2025 11:22

Atualmente, por causa dos conteúdos a trabalhar em cidadania, tenho-me recordado de episódios como este e apetece-me gritar: deixem esses conteúdos em paz

Haverá quem não concorde, mas para mim o conceito de  pureza que gerou o extermínio, entre outros, de ciganos, homossexuais e judeus na Alemanha, essa busca pela pureza de uma sociedade  que queremos só para os nossos, sempre infetou na humanidade aqueles que apesar de terem andado na escola, para além dos conteúdos endeusados pela cientificidade das matérias escolares, nada aprenderam sobre o que é ser um bom ser humano. E por culpa de quem? Muito da Escola, digo eu!

De facto, essa escola em que andaram (e que muitos até hoje desejam) sentindo-se ainda conventual, mas obrigada, desde a revolução industrial, a dar mais importância aos conteúdos técnicos e científicos e a ser para todos, detetou a necessidade de, para tornar puro o ensino dos eleitos, ter de adotar metodologias militaristas.

Passou a aceitar sem sentir um pingo de responsabilidade que alguns dos alunos fossem dela excluídos ainda crianças, que os problemáticos fossem orientados para formações profissionais que nunca desejaram, aceitou depurar do ensino a “aprendizagem” da condição humana para se centrar apenas no ato puro de ensinar a pureza científica das matérias disciplinares.

E eu recordo o João, um rapaz a crescer numa família muito pobre e desestruturada que tive como aluno e que passados uns anos, ao ver-me me chamou para me mostrar, cheio de orgulho e felicidade, a fotografia do seu filho bebé.

Ao dar-me a notícia e porque percebeu na minha expressão algum receio, de imediato acrescentou: professora não tenha medo, lembro-me bem do que nas aulas  discutimos sobre o que deve ser um bom pai.

Atualmente, por causa dos conteúdos a trabalhar em cidadania, tenho-me recordado de episódios como este e apetece-me gritar: deixem esses conteúdos em paz! O problema não está neles, mas sim no significado que os professores das diferentes disciplinas, armados em puristas, lhes atribuem: o de lixo que contamina as regras e convenções do padrão de ensino que consideram ser o puro e por isso, o ideal.

De facto, como pode alguém que considera que a educação é da exclusiva responsabilidade das famílias e que à escola só cabe ensinar as matérias disciplinares, educar para a paz ou por exemplo, pôr-se a refletir com alunos as caraterísticas do perfil de um bom pai? Não pode e jamais o fará enquanto não aceitar que na escola formar crianças e jovens para a vida em sociedade é tão importante como a sua formação para o mundo do trabalho.

Pela minha parte sinto que cumpri o meu dever: pus aquilo que o João comigo aprendeu na matemática e nas ciências ao serviço do seu futuro como pai; conspurcando a pureza do meu ensino (dirão alguns), senti-me a ajudar o João a, para melhorar a sua vida e condição social, dar um sentido ao que comigo aprendeu! 

Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990