Opinião
Pantufas, essas valorosas!
Hoje, por exemplo, sentada ao reler as declarações que o vice de Trump fez sobre a Europa foi tal a inquietação que tive de fazer uma pausa
Não é nada chique, mas eu sempre gostei de usar pantufas. Bem, sempre, talvez não! Criada na Guarda, todos os dias por longos períodos a brincar no enorme jardim à frente da casa da família, imagino que a rigidez da minha avó, ao eu chegar a casa e contrariando a minha vontade, mandasse que, de imediato, me fossem descalçados os sapatos ou as botas que, com toda a certeza, chegariam sujos de terra, molhados com água ou neve e por isso, impróprios para com eles me apresentar decente no ambiente familiar.
E digo isto porque me lembro da primeira vez que a minha querida Laura (uma amorosa rapariga que tratava de mim e do meu irmão) me calçou umas pantufas recém-chegadas de Espanha que me maravilharam. Ainda as estou a ver! Eram tipo uns soquetes feitos em croché com desenhos muito coloridos, cozidos a umas solas de um cabedal de tal forma maleável que, com elas, me parecia ter-me sido concedida a possibilidade de andar descalça pela casa!
Entretanto, após imensas pantufas, sempre desse tipo, me passarem pelos pés, cheguei à adolescência e a permanente e necessária inquietação dessa fase fizeram-me esquecer as confortáveis pantufas. Nos anos seguintes houve, na minha vida, um longo interregno no seu uso, mas a lembrança do conforto que elas acrescentaram à minha infância nunca me deixou e com o nascimento dos meus filhos a necessidade de eu e eles, em casa, as usarmos naturalmente, surgiu!
Desde então tornei a apaixonar-me por pantufas. Quando as compro, não, não compro umas pantufas quaisquer! Elas têm de ser de boa qualidade, não se estragarem com as lavagens, bonitas se possível e proporcionar-me, para além das sensações de comodidade e bem-estar, uma quase sensação de proteção! Antes elas duravam na minha vida cerca de dois anos, mas no presente, na fase em que estou, na velhice, ando a verificar que também elas estão a ter menos tempo de vida!
Hoje, por exemplo, sentada ao reler as declarações que o vice de Trump fez sobre a Europa foi tal a inquietação que tive de fazer uma pausa. Nessa altura, dei comigo a olhar para as pantufas que tinha nos pés quase como em busca do conforto e da proteção que ao calçá-las elas me habituaram a sentir. Confesso que de tão gastas e velhinhas que estão já tinha decidido lançá-las no lixo.
Com alguma pena, levantei-me e foi o que decidi fazer. Espantada, sinto-me, então, a fazer-lhes um “discurso” de despedida assegurando-lhes que na minha vida o seu valor foi imensamente superior ao valor de pessoas como Trump, Vance, Putin, Netanyahu e todos os outros que se comportam como eles! Conclusão: eu gosto mesmo de usar pantufas!
Texto escrito segundoas regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990