Desporto
Viagem ao tempo em que a fronteira era a linha do Oeste
Desde 1989 que estes dois importantes clubes da região não se encontram numa partida de futebol sénior a contar para as provas nacionais. Este domingo, todas as atenções vão estar viradas para o Magalhães Pessoa.
Os que jogam de branco são favoritos e vão fazer tudo para triunfar, mas os que vestem de preto-e-branco querem que a tradição se mantenha, complicando a vida ao adversário. União Desportiva de Leiria e Atlético Clube Marinhense jogam este domingo, pelas 15 horas, pela primeira vez em quase 29 anos.
A partida é a contar para a 14.ª jornada da série C do Campeonato de Portugal, o terceiro escalão do futebol português. De um lado, a equipa de Rui Amorim, que persegue a subida à 2.ª Liga.
Do outro, a de Pedro Solá, que tem feito um Campeonato de Portugal acima das expectativas e ocupa um lugar na primeira metade da tabela, bem longe das posições que ditam a despromoção, precisamente aquilo que o clube da Marinha Grande queria, à partida, evitar.
Os percursos distintos nestas três últimas décadas fizeram com que a rivalidade acabasse por se tornar muito mais num assunto de café do que disputado no terreno de jogo, mas nestes momentos a chama torna-se intensa, até porque a ligação é umbilical. De tal forma que o Marinhense foi o clube escolhido para ser o primeiro antagonista da história da União de Leiria.
“O pessoal da Boa Vista e da Bidoeira era o mais entusiasta e até se organizava em claques. O campo estava sempre cheio e havia uma grande paixão”
Já passou mais de meio século. Foi a 4 de Setembro de 1966, no Estádio Municipal. O encontro, denominado Taça Amizade, terminou com um salomónico empate a dois golos e nessa partida houve um homem que se destacou e entrou duas vezes para os anais do clube do Lis. Orlando Rousseau, que na temporada anterior tinha jogado pelos alvi-negros, foi o primeiro a marcar pela União de Leiria e o primeiro a marcar contra a União de Leiria.
“Entrei para a história pelas melhores e pelas piores razões”, recordou, em entrevista a este semanário. Primeiro, o golo: “era rápido, lançaram-me pelo lado direito, desmarquei-me e atirei”, não dando hipótese ao guardião marinhense, Vítor. Pior foi o tento na própria baliza... “Foi um canto, aliviei mal e a bola entrou”, explicou.
Na altura, “a cidade estava empolgada” com o futebol. “Chegaram a ser colocados altifalantes na Praça Rodrigues Lobo para as pessoas ouvirem os relatos.” Das redondezas vinha forte suporte. “O pessoal da Boa Vista e da Bidoeira era o mais entusiasta e até se organizava em claques. O campo estava sempre cheio e havia uma grande paixão.”
“Lembro-me de ter jogado contra o meu grande amigo José João, já falecido, que me mandou desaparecer de perto dele, para não ter de me castigar. Eu até me ria, mas ficava longe”
Durante duas décadas, até 1990, os clubes das cidades vizinhas competiram de forma intensa e disputaram quase sempre a mesma divisão, desejaram os mesmos futebolistas e tiveram jogos escaldantes nos ambientes frenéticos da velha Portela e do original Magalhães Pessoa.
Encontraram-se um total de 22 vezes a contar para a 2.ª Divisão, com os resultados a indicarem um equilíbrio total: ambas as equipas venceram sete desafios, tendo ainda ocorrido oito empates.
“Costumo dizer que o meu clube é o Marinhense, mas tenho uma costela da União de Leiria.” Durante esse período, Vítor Manuel, conhecido na Marinha por Vítor do Talho, foi ídolo nos dois emblemas.
Começou por brilhar no clube de sua terra, de tal forma que foi considerado o melhor jogador da história dos alvi-negros, mas acabou por rumar ao grande adversário “do outro lado da linha” do Oeste, em 1977/78, já com 26 anos. “Era um ícone desde os escalões mais jovens e houve alguma resistência, não queriam que saísse para o principal rival. Mas já era profissional e aconteceu.”
Dentro das quatro linhas, Vítor Manuel teve de lidar com a opção. “Lembro-me de ter jogado contra o meu grande amigo José João, já falecido, que me mandou desaparecer de perto dele, para não ter de me castigar. Eu até me ria, mas ficava longe.”
“Sabemos da história, as pessoas falam connosco e pedem-nos para ganhar. Os adeptos mais fiéis não vão querer perder este jogo por nada e acredito que as bancadas vão ter mais espectadores"
Em Leiria esteve um total de seis temporadas, com passagens de permeio pelo Sporting, pelo Vitória de Guimarães e pelo Desportivo de Chaves. Sempre viveu com intensidade os encontros com o rival, estando de um lado ou de outro da barricada.
“Eram jogos tremendos, intensos, e que ninguém queria perder. Havia pessoas que iam de uma terra à outra a pé para verem os desafios.” Também não era incomum acontecerem “desacatos”, recorda o antigo internacional sub-21 e sub-18. “Os campos estavam cheios, ninguém queria perder e as pessoas enervavam-se e exteriorizavam como não devia
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