Sociedade
“Vamos ter meses de grande instabilidade política”
Anselmo Crespo editor de política da SIC, natural de Leiria, analisa as últimas eleições legislativas, faz previsões para as presidenciais e para o futuro, a curto prazo, do País
É o editor de política da SIC e um dos jornalistas que nos habituámos a ver nas campanhas eleitorais. Entende que devia ter-se falado mais das ideias dos políticos?
Essa é uma sensação que existe sempre em todas as campanhas. Penso que não foi das piores desse ponto de vista. Até se debateram algumas ideias, mas as pessoas tendem, cada vez mais, a não acreditar nos partidos e nos políticos. Isso é visível nas taxas de abstenção e nesta forma espartilhada como demonstraram o sentido de voto. As pessoas não sabem em quem votar e muitos decidiram no momento em que tinham o boletim de voto à frente. Mas não é um problema exclusivamente português, é europeu. A campanha decorreu de forma atípica porque António Costa, quando ganhou o partido, entrou com uma pujança tal, que toda a gente o dava como primeiro-ministro. O PS incorporou essa ideia de “isto está ganho” e cometeu uma série de erros. A campanha da coligação Portugal à Frente foi mais profissional e, sobretudo, tinha um grande objectivo que era o de não cometer deslizes e deixar que fosse o PS a fazê-los. Inverteram-se os papéis durante a campanha. Isso prejudicou os socialistas que perderam as eleições e ficámos numa situação caricata onde parece que foi António Costa quem venceu as eleições e andou a tentar arranjar um acordo de Governo. É um momento histórico e vamo-nos rindo com alguns argumentos, mas tenho muito medo pelo País. Vamos ter meses, se não mesmo um ano, de grande instabilidade política.
Com um governo minoritário arriscamos novas eleições?
Até Abril não poderá haver eleições porque nos seis meses seguintes, depois de o Parlamento tomar posse, não pode haver dissolução da Assembleia. Há um extremar de posições entre a coligação e o PS e, no meio disto, parece que esquecemos que a troika foi embora e “ainda não saímos do hospital”. Já não estamos nos cuidados intensivos, mas ainda precisamos de cautelas. Temo que o País sofra com esta instabilidade política e, sobretudo, depois dos quatro anos que vivemos, seria muito desagradável percebermos que andámos para trás porque os políticos não conseguiram pôr o interesse nacional acima dos seus próprios interesses e da sua sobrevivência política. Nas últimas décadas, não temos visto políticos que consigam, indubitavelmente, colocar o interesse do País à frente do partidário. É isso que leva à descrença do eleitorado neles e no sistema. As pessoas não conseguem acreditar no altruísmo dos políticos, acham que pensam mais em si próprios do que no País. Mas, além do PSD e CDS que se uniram nos últimos quatro anos, há quanto tempo é que não existe um verdadeiro compromisso de regime para resolver problemas que há muito andamos a identificar? Por que razão não há um pacto para resolver os problemas da Justiça? Não têm de concordar em tudo, até é salutar que não o façam, mas há matérias em que era fundamental haver um consenso o mais alargado possível e não andarmos neste ping-pong de ir para o poder alguém que desfaz o que o seu antecessor fez. Andamos permanentemente nisto. Alterar a situação só é possível com algum consenso e só é possível se colocarem o interesse do País acima do partidário.Isto implica que tenhamos líderes políticos que sejam verdadeiros estadistas e que as pessoas lhes reconheçam essa qualidade. Já aconteceu irem para a política pessoas com esse altruísmo e depois não serem bons a comunicar ou não serem bons políticos e as pessoas não votarem neles por serem “chatos a falar”.
O pacto de que falou é o que o Presidente da República tem defendido desde a demissão “irrevogável” de Paulo Portas.
É uma tentativa de consenso que ponha os interesses do País acima dos quatro anos de legislatura. O PR tem defendido isso, nuns casos bem, noutros menos bem… mas nem devia ter de ser ele a fazê-lo. Cabe aos partidos esse papel. Estas coisas não se negoceiam na praça pública, com dez câmaras de televisão atrás. Negoceiam-se em privado. O último grande acordo que houve para a Justiça, entre o PSD e o PS, foi negociado no maior segredo e foi notícia quando já estava fechado. É a única forma de se negociar seriamente e sem se andar a mandar recados na televisão a um e a outro. O PR tem defendido isso e, em 2013, tentou fazê-lo no pior timming do mundo. Acredito que, se destas eleições não resultar um acordo, seja ele qual for, vamos passar meses de muita turbulência política e instabilidade. Quanto tempo vão os partidos demorar a perceber que vai ser preciso encontrar entendimento. Não precisam de ir todos para o Governo ou abdicar de princípios. Precisam é de perceber quais as áreas-chave para o entendimento e colocar o País à frente de tudo.
Alguma vez lhe telefonaram a seguir a uma entrevista mais “acalorada”?
Tanta vez! Hoje menos, mas telefonaram várias vezes a indagar “que raio de pergunta era aquela?” e “você está a insinuar não sei o quê!” Há quem veja nas perguntas uma opinião e, às vezes, os entrevistados esquecem-se de que o papel dos jornalistas é fazer de advogado do diabo. Por vezes, parecemos moços de recados transmitindo a um político o que outro disse. Se não têm respostas, apontam o dedo ao jornalista para o tentar desconcertar e nós tentamos desconcertar o entrevistado. Tentamos desformatar o “boneco” que os entrevistados criam assim que se liga a câmara. É difícil de o fazer a não ser que a pergunta os deixe atrapalhados. Quando as coisas não lhes correm bem, levamos com telefonemas a questionar-nos… mas faz parte da profissão.
Quem já lhe ligou?
José Sócrates fazia isso muitas vezes e não era só a mim, não sou especial. Quando ele era primeiro-ministro, houve muito alarido com as “pressões”, mas nunca achei que aquilo fosse uma verdadeira pressão. É claro que, até certo ponto, é “pressão” sobre os jornalistas. Mas a pressão faz parte da profissão. Quem vem para aqui a achar que não vai ser pressionado, está enganado. É-se sempre pressionado. Além disso, José Sócrates diz tudo o que pensa e até podemos estar os dois aos berros mas, passados cinco minutos, está tudo bem. Não é que fiquemos amigos, mas ele não guarda rancor. Depois segue para outra, não há represálias. Desse ponto de vista é mais leal e prefiro isso o que alguém que depois não responde às perguntas e fica chateado. Não vou para casa preocupadíssimo porque o primeiro-ministro ficou triste comigo, nem ele vai para casa matutar no assunto. Não somos amigos e não é a mesma coisa que acabar com uma namorada ou perder um amigo. Vou para casa de consciência tranquila.
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