Viver

Uma santa maldita

17 abr 2016 00:00

Rainha Isabel de Portugal

uma-santa-maldita-3771

Há meia dúzia de anos, peregrinando alguns dias de um Verão escaldante pelos colos montanhosos dos Pirenéus, deparei-me com uma placa de sinalização turística que dizia “Vous êtes au Pays Cathar”, o que em português significa “Está na região cátara”.

Uma vez mais deparava-me com o passado cátaro presente por todos os Pirenéus, recordando uma das maiores chacinas cometidas pelos cristãos católicos contra os povos do Sul de França, com o pretexto de eliminação da sua heresia.

As centenas de fogueiras em que foram queimadas as vítimas tinham sido ateadas pelos cruzados franceses comandados pelo rei Luís IX, alguns anos depois tornado santo merecedor de altar sagrado.

Contudo, as responsabilidades dos papas que conduziram tais desatinos (com objectivos sociais, políticos e religiosos) foram maiores que as dos restantes aliados, incluindo outro frade de elevado gabarito chamado Domingos de Gusmão, que viria a dominar esse nefando tribunal chamado Inquisição.

Auto-proclamavam-se os seus seguidores “Cães de Deus”, o que em muito explica a sua acção. Um dos dirigentes religiosos que ficou tristemente célebre nestas carnificinas foi Arnaud Amaury, legado papal que conduziu as fogueiras de Béziers em 1209, que respondeu, quando lhe perguntaram o que fazer com os derrotados aprisionados fosse qual fosse a sua religião, “Matai-os a todos, que Deus reconhecerá os seus”!

A maior parte dos territórios do Sul de França estavam ligados a Aragão, o reino europeu mais desenvolvido tanto cultural, como em liberdade religiosa. No fundo, era esta contenda política que chocava os interesses papais e dos seus aliados franceses, desejosos de eliminar o Imperador Frederico I, senhor da Sicília e aliado dos aragoneses e catalães.

Os cátaros eram um povo extremamente religioso que se pretendia puro e pobre, vivendo em comunidades que se desajustavam da riqueza e da ostentação da igreja, desejosa de constituir-se num Império romano dominante dos reis existentes que teriam de ser escolhidos pelo papado.

A própria nobreza da região cátara protegia-os e, muitas vezes, eram seus seguidores. Em 16 de Março de 1244 a “heresia” cátara chegou ao fim. Depois de meses de cerco os cruzados franceses, que combatiam em nome de Deus, conseguiram dominar o último bastião rebelde, dando aos vencidos a possibilidade de renegarem a sua religião para salvarem a vida.

A força dos vencedores faria ainda uma manifestação sombria de glorificação da sua vitória. No Campo dos Queimados, as fogueiras incendiárias de S. Luís IX, rei de França, e de Gregório IX, papa, arderam dias sem parança para que nada, senão cinzas, sobrasse das vítimas.

Uma estela de homenagem aos cerca de 200 cátaros queimados na fogueira, à entrada do acesso ao Campo dos Queimados, lembra aquele dia trágico em Montségur. Em 1282, num dia de invernia, chegava à vila de Trancoso uma princesa natural do reino de Aragão.

Estava destinada a ser rainha de Portugal depois de casar com D. Dinis naquela vila. O seu passado e o da sua família foram cruciais no impedimento do papa aumentar decisivamente os seus territórios, domínio que só terminou no século XIX com a unidade da Itália. ...

Leia mais na edição impressa ou torne-se assinante para aceder à versão digitalintegral deste artigo