Economia

Recursos humanos: empresas querem Ferraris ao preço de Renaults

17 mar 2016 00:00

A economia está em mudança e as noções enraizadas sobre emprego e talento estão a ser postas em causa. As empresas procuram recursos humanos cada vez mais qualificados, mas nem sempre estão dispostas a pagar mais por isso

recursos-humanos-empresas-querem-ferraris-ao-preco-de-renaults-3416
Raquel de Sousa Silva

A instabilidade que se viveu na economia portuguesa nos últimos anos levou muitas empresas a tornarem-se mais ágeis e mais eficientes, para acompanhar a velocidade e volatilidade do mundo actual. Contudo, a filosofia do “fazer mais com menos acabou por reduzir muitas equipas a mínimos funcionais, pelo que aos primeiros sinais de retoma algumas estruturas não tinham disponível o capital humano necessário para preparar e executar planos de carreira”.

Neste cenário, de acordo com a consultora Hays, “contratar tornou-se urgente e 2015 acabou por ser um ano de aumento generalizado das contratações, sem que o mercado de trabalho conseguisse dar resposta ao crescente volume de solicitações”, aponta o Guia do Mercado Laboral 2016.

Ouvidas mais de 800 empresas, a conclusão é que 78% delas têm tido dificuldade em recrutar talento. “Seja porque os candidatos disponíveis não possuem as competências que os empregadores procuram, ou porque os projectos ou condições oferecidas não
vão ao encontro das expectativas dos profissionais”. Para a consultora, o facto de 47% dos profissionais no activo terem recusado ofertas de emprego no último ano é, certamente, algo a ter em conta”, frisa Paula Baptista, managing director da Hays Portugal no guia.

Mas o que procuram afinal as empresas? O aspecto mais valorizado pelos empregadores continua a ser as competências técnicas e não tanto a experiência (ver gráfico). Depois, há todo um conjunto de outras competências – as chamadas soft skills - que são cada vez mais valorizadas. E em algumas profissões, o perfil procurado actualmente pouco ou nada tem a ver com o que as empresas procuravam há uns anos.

Se é verdade que a economia está a voltar a criar empregos, é preciso ter em conta que os salários associados são agora mais baixos do que eram, para o mesmo cargo, antes da crise. “Nota-se uma diminuição salarial em alguns casos mais específicos, em mercados que sentiram de forma mais incisiva os efeitos da crise”, diz Victor Pessanha, senior consultant & head of business da Hays.

Aponta como exemplo os engenheiros civis e os técnicos de higiene e segurança que desempenhavam funções no mercado da construção, onde se verificou uma tendência de variação salarial negativa.

O mesmo se passará em empresas que após processos de downsizing ou despedimento colectivo “tiveram uma redução da complexidade das operações e do negócios em si, em termos de gestão, pelo que diminuíram ligeiramente o nível de exigência para a contratação de quadros médios e superiores”.

Um caso concreto: “o vencimento de um director industrial de uma fábrica de 300 colaboradores tende a ser mais elevado do que o de um profissional com a mesma função para uma indústria com uma equipa de 80 profissionais”.

Victor Pessanha refere que, em termos gerais, e apesar da melhoria do clima económico, se tem verificado uma “tendência de estabilidade no nível salarial base médio dos profissionais”.

Frisa que “há mais investimento por parte das empresas em termos de benefícios não remunerados, como o seguro de saúde, viaturas para uso total e até mesmo modelos de remuneração variáveis, elaborados de acordo com a produtividade e resultados apresentados”.

Por outro lado, de acordo com este consultor da Hays, em segmentos de mercado onde se verifica “escassez de mão-de-obra altamente especializada”, como nas tecnologias da informação e engenharia industrial, “pode-se notar alguma tendência de aumento salarial nos quadros médios”.

Carla Ferreira admite que os salários oferecidos hoje a quem está a iniciar o seu percurso profissional são “claramente mais baixos” do que eram antes da crise. Dá como exemplo uma vaga para alguém que possua o grau de licenciatura, fale duas línguas e tenha conhecimento específico em determinado software, oferta cujo enquadramento salarial ronda agora os 650 euros, quando antes seria à volta dos 850 euros.

“Cada vez são exigidas mais competências na fase inicial” da carreira, reconhece a responsável pela Factor H, de Leiria, que se dedica à formação, consultoria e recrutamento. “As empresas querem Ferraris pelo preço de Renaults”, compara. “

Leia mais na edição impressa ou torne-se assinante para aceder à versão digital integral deste artigo