Sociedade
"Rebentou a garrafa do gás e a casa ardeu toda, ficou-se sem nada"
Desalojados sobreviveram ao impossível
Como é que se escapa a um incêndio que parece anunciar o fim dos tempos? Onde é que se escondem os sonhos que o fogo ameaça roubar e os corpos em que a esperança resiste?
"Quietinhos, num cantozinho no rés-do-chão". E na rua, em fuga, quando as chamas se apoderam das paredes erguidas com sementes de tristeza e felicidade, dia após dia, mês a mês, ano a ano.
"Quando vi levantar a chapa, começou logo a arder o forro da varanda. Automaticamente, espalhou-se para a cozinha. Conforme começaram a cair os bocados de madeira, rebentou a garrafa do gás e a casa ardeu toda, ficou-se sem nada", conta David Godinho, morador em Figueira e um dos desalojados acolhidos no centro de apoio psicossocial e de realojamento instalado na Santa Casa da Misericórdia de Pedrógão Grande.
Na habitação estava ele, a sogra, a filha de 11 anos e o filho de 13. "Quietinhos, num cantozinho no rés-do-chão". Só a mulher, Anabela Paiva, se encontrava fora, em Pedrógão Grande.
Daí o único bem que salvaram: o carro que ela levou para o trabalho. "Não temos mais nada". Como em tantas outras aldeias, também em Figueira o incêndio deixou os habitantes sem meios de contacto com o exterior. Isolados na noite mais escura de sempre.
"Lembrei- me que ela se ia meter ao caminho e ficar no meio do fogo porque estava tudo a arder. Até às 11 horas ainda consegui ter contacto com ela, a partir daí não consegui mais. Até que me chegou lá uma ambulância eram 7 horas, que nos trouxe para o centro de saúde, para virmos receber oxigénio", relata David Godinho, a voz num esqueleto frágil, que parece impossível conter tanta resiliência.
Depois do fogo, ele, a mulher, os filhos e a sogra dormiram nas instalações da Santa Casa da Misericórdia de Pedrógão Grande, onde têm recebido apoio psicológico, comida, roupas e as primeiras informações sobre a habitação temporária que lhes vai ser atribuída. Cerca de 70 pessoas passaram ali as noites no fim-desemana.
É à porta deste centro operacional que Paula Carvalho encontra o irmão, após um dia inteiro de buscas. "É importante haver um bocadinho de humanidade, isso não existiu e entristece-me", explica.
Apesar de adulto, Mário precisa da ajuda de terceiros. Sábado ficou retido na residência da família localizada em Marinha, pelas chamas que cortaram todos os acessos à povoação. Só na manhã de domingo Paula Carvalho conseguiu passar, trazê-lo de casa.
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