Desporto

Ralis: a paixão falará sempre mais alto num mundo de riscos assumidos

16 out 2020 11:09

O JORNAL DE LEIRIA falou com piloto e navegadora da região para saber como, em pleno Rallye Vidreiro, lidaram com a notícia da morte da navegadora espanhola.

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Peugeot 208 conduzido por António Cruz Monteiro e com Ana Cruz Monteio como navegadora
Goagency

Quando Ana Cruz Monteiro soube da tragédia já tinha concluído os três primeiros troços do Rallye Vidreiro. Estava muitos quilómetros à frente, na estrada, sentada no bacquet à direita, a ler as notas ao piloto e irmão António, quando, lá atrás, apenas na segunda curva do primeiro troço e de toda a prova, um outro veículo sofreu um acidente fatal que vitimou uma mulher, como ela.

Uma saída de estrada do Peugeot 208 conduzido pelo espanhol Miquel Socias vitimou a co-piloto Laura Salvo, de 21 anos, também ela espanhola. Os meios de auxílio chegaram ao local “em cerca de dois minutos, fazendo todos os possíveis para salvar a jovem concorrente”. Contudo, nada puderam fazer.

Tentaram a reanimação e “levaram a vítima para uma zona onde fosse possível a chegada do helicóptero de emergência, mas a concorrente acabou por falecer no local”, lamentou Nuno Jorge, presidente do Clube Automóvel da Marinha Grande, que decidiu dar por terminada a prova.

Ana Cruz Monteiro (Foto: Goagency)

 

A informação foi recebida com “choque” por Ana Cruz Monteiro. “Estávamos na assistência quando soubemos que a navegadora tinha falecido. São momentos de grande tristeza e consternação. Nunca se está à espera de uma notícia destas”, admite a desportista de Leiria.

No Peugeot 208 conduzido pelo irmão fez os dois troços que restavam em ligação e pôde assistir à “bela homenagem” que o público prestou à navegadora Laura Salvo, “não parando de bater palmas enquanto os carros passaram”. São momentos que arrepiam, que levam à maior das introspecções, mas que não mudam a forma de entender a modalidade, amada há tanto tempo, numa paixão que acelerou de pai para filhos.

Continuar em frente

“Tu não devias continuar nessa vida!” Rafael Cardeira ouviu inúmeras vezes frases como esta após o rali. O piloto da Marinha Grande do Renault Clio considera normal este tipo de comentários das pessoas que gostam dele, também percebe as chamadas telefónicas que recebeu e os comentários que ouviu, mas crê que nada vai mudar na sua carreira.

Renault Clio de Rafael Cardeira

 

“Faz com que a dúvida cresça um bocadinho, mas acredito que estou preparado. Vejo o que aconteceu como algo anormal, até pelo elevado grau de segurança que existe nos nossos carros. Ao nível que corro tenho de ser superior a estes pensamentos e só tenho de arranjar força para continuar. É o que gosto de fazer, tenho um grande investimento e todos temos de passar uma imagem de força.”

Quando pensa em acidentes, de resto, Rafael Cardeira nunca se lembra de consequências físicas, apenas materiais. Apenas teme danificar o veículo, até porque a sensação de segurança que existe nos carros de ralis é crescente. Acredita que só casos “excepcionais” como o de sábado, com uma pancada seca num sítio muito específico é que poderia redundar numa tragédia.

Rafael Cardeira

 

Por isso, um e outro não têm dúvidas. “Custa muito” quando um acidente fatal faz lembrar que o automobilismo tem os seus riscos, mas não têm hesitações na hora de decidir o futuro. “É um risco assumido e, como tal, temos de conseguir ultrapassar os pensamentos negativos. A paixão por este desporto fala sempre mais alto”, diz Ana Cruz Monteiro.

Rafael Caldeira concorda. Admite que tem medos, respeitos, mas que ficam do lado de fora do cockpit. É uma espécie de carrossel, uma relação directa entre confiança e velocidade. “Depois do meu último acidente tive uma ou duas provas até recuperar a confiança. Mas quando colocamos o capacete, as luvas e apertamos o cinto a concentração é tanta que nada nos afecta.”