Sociedade
Rafael Marques: “A economia angolana sempre foi artificial”
Em entrevista ao JORNAL DE LEIRIA, o jornalista e militante dos direitos humanos em Angola diz que podem punir o seu corpo, privá-lo de bens materiais, mas nunca manietarão a sua liberdade interior.
Em Maio, foi condenado a seis meses de prisão com pena suspensa por calúnia, difamação e denúncia caluniosa contra empresas de mineração e sete generais do Exército, que acusou de cumplicidade com assassínios e torturas em Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola. Não tinham chegado a um acordo antes do julgamento?
Falou-se, mas não se chegou a acordo nenhum. Recebi vários telefonemas, inclusive a pedido do chefe do Estado Maior das Forças Armadas, a dizer que era intenção de todos acabarem com o caso. Na manhã do julgamento, não queriam iniciar a sessão, mas eu disse para acabar com aquilo.
Não queriam que o caso fosse julgado?
Sim. Bastava eu dizer que não tinha contactado directamente os generais e as suas empresas. Porque havia documentos, havia provas. Tinha enviado tudo por escrito e tinha tido reuniões com a direcção da empresa e com o governo. Estava tudo certificado por emails.
Por que é que falou em cilada?
Porque me condenaram sem me ouvir e sem ouvir as testemunhas. No primeiro dia, houve aquelas questões normais: se publiquei o livro, se não publiquei. Depois, houve constantes adiamentos. Nenhum general falou em tribunal. Como é que sou condenado se nenhum queixoso falou? O meu advogado não teve oportunidade de me defender. Foi um abuso total do sistema judicial para me condenarem. Foi uma cilada porque houve má-fé da parte dos generais e da parte do poder judicial, que só contribui para degradar ainda mais o poder do Presidente e dos generais que o rodeiam. A imagem do próprio regime está na lama. Estou à espera da decisão do Tribunal Supremo em relação ao recurso para lhes mostrar que esta luta continuará e que eles sairão perdedores, porque já perceberam a força que temos
na sociedade civil.
Não há uma separação entre o poder político e o poder judicial.
Não. Há um comando directo do poder político. Até do ponto de vista legal, a lei da Procuradoria-Geral da República determina que o procurador-geral cumpre as ordens do
Presidente.
Os relatos que faz no livro não o puseram com a cabeça a prémio?
Sempre tive a cabeça a prémio. Sou o único jornalista em Angola que escreveu um texto crítico em relação ao Presidente num órgão de informação do Estado, o Jornal de Angola, em 1992. Nesse dia, o editor foi dormir e deixou-me o espaço para publicar o texto. Tinha 21 anos, estávamos no período das eleições, e eu publiquei o que o candidato da oposição disse do Presidente. Da parte da Direcção, senti respeito. Mas fui enviado para a tropa.
Foi uma retaliação?
Mas foi importante. Acabei por compreender que todos os obstáculos que se nos colocam à frente oferecem sempre uma grande oportunidade. Quando cheguei à tropa, percebi os níveis de corrupção e de desleixo do Exército numa situação de guerra. Fiquei a observar e a tirar notas sobre aquilo tudo. Ao fim de um mês, mandaram-me para casa como desmobilizado. Isso formou muito daquilo que sou hoje. Lembro-me de ter pegado no meu prato, com quatro colheres de sopa de peixe, quatro ervilhas e quatro rodelas de batatas muito finas, e ter dito que ia falar com o comandante para lhe mostrar que não se podia alimentar a tropa daquela forma. Tínhamos de fazer corridas de 20 kms por dia, quase sem comer. Isso criou um movimento e, de repente, quando dei conta estavam uns 500 homens em cima do comandante, que estava refastelado com umas meninas e um panelão enorme de caldeirada de cabrito. Sempre tive uma aversão muito grande às injustiças.
Que tipo de pressões sofreu quando andou a fazer a investigação para o livro?
Passei por todo o tipo de pressões, mas ameaças directas só recebi de um advogado e professor universitário. Apaguei o email para o proteger. Parecia ser uma pessoa educada e estava a ter um comportamento boçal. Achei que o melhor era ignorá-lo. Muitas vezes, as pessoas pensam que devem responder a tudo, mas a minha atitude é diferente. Sei qual é o meu objectivo e não me distraio.
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