Viver
Paulo Mouta Pereira: “A minha paixão mais duradoura é a música”
Este talentoso músico foi o quinto Silence 4, quase desde o início da carreira da banda de Leiria
Há pouca da chamada “nova música de Leiria” que não lhe passe pelas mãos a fim de ser produzida, misturada e masterizada… Qual é o pulso da cena musical de Leiria?
Há muita coisa boa a acontecer, graças ao esforço de algumas pessoas que trabalham no meio. Para quem tem um pequeno estúdio caseiro como eu, é muito bom poder trabalhar em algo que nos agrada. Tenho a sorte de estar a trabalhar com as coisas mais interessantes que se fazem no panorama de Leiria e até nacional. Há coisas boas a acontecer na Omnichord Records, de Leiria, e fora dela. Há outras bandas em Leiria e outras pessoas a fazer boa música. O Nuno Simões, com quem também trabalho, tem um estúdio onde grava projectos interessantes que não têm grande visibilidade. Estou a falar de coisas que estão mais próximas do mainstream, como a Banda da Catraia, do Rui Amado, que tem muito potencial. Há ainda por aí um rapaz que tem umas coisas incríveis que é o Churky que faz uma música meio pop e que é um projecto interessante aqui da zona. Há coisas a mexer na zona.
E há coisas “pesadas” também.
Também. Trabalho muito como técnico de som e isso é uma vantagem muito grande que me permite não estar sempre agarrado a uma banda apenas. Posso conhecer outras coisas. Faço som aos Les Crazy Coconuts, aos First Breath e a esse pessoal todo. Mas estou também a trabalhar como técnico na Fnac do Leiria Shopping e passam por lá alguns projectos… Leiria, apesar de ter muita coisa activa, tem um público muito preguiçoso. Nos domingos à tarde, as pessoas podem até ir ao shopping e ao cinema, mas não se deslocam ali ao lado, ao Forum Fnac, para ouvir uma banda. Há também muita coisa a acontecer no metal. Estou nos Malevolence e, há tempos, vi os ESC – Eden Synthetic Corps que são impressionantes. Têm uma música muito bem feita e são grandes no estrangeiros. Também trabalhei como técnico no Beat Club e passaram por lá bandas de metal incríveis, de que não se ouve falar no dia-a-dia.
Falta uma espécie de Omnichord Records para o metal?
Sim. Isso é uma das grandes coisas que o Hugo Ferreira tem feito. Trouxe para a ribalta o pessoal que, de outra maneira, ficaria fechado dentro da garagem. Ele é um mecenas e isso é raro nos dias de hoje. As pessoas ouvem pouca música e os miúdos estão entregues a si próprios, sem uma orientação... com toda a informação disponível na internet, dá-me ideia de que as pessoas escolhem ouvir música por acaso ou porque os amigos empurram. É bom que pessoas, como o Hugo, façam com que os músicos “saiam do buraco”. A Débora Umbelino, a Surma, sem a Ominchord Records, estaria na sua sala a fazer as suas coisas sem ninguém saber. Se não tem havido o investimento do Hugo, que colocou o Emanuel, dos Sensible Soccers, a trabalhar com ela, ninguém saberia da música dela. Ele está a juntar e a interligar pessoas… Por exemplo, até há um ano, eu não sabia que havia um estúdio em Monte Real. Com os Coconuts tínhamos falado em ir gravar a Lisboa, aos estúdios Blacksheep e alguém sugeriu esses estúdios. Quando lá cheguei, encontrei duas salas incríveis, com material muito capaz, altamente profissional, a dois minutos de casa. Gravámos lá o último single da Surma, com calma. Se fosse noutro sítio, seria a correr e a ver o preço à hora.
Ao longo da sua carreira, foi o quinto e desconhecido Silence 4, o teclista que acompanhou a banda praticamente desde o início e que se juntou a eles no regresso, há dois anos. Como acontece esse anonimato?
Tenho um dom para o anonimato e uma personalidade de bastidores. Quando tinha a banda Do Amor Y outros demónios, tinha de dar a cara, mas aquilo era horrível. Não gostava de estar à frente. Sempre preferi estar nos bastidores a fazer as coisas acontecerem. Com os Silence 4, conhecia o Rui Costa do liceu e quando precisaram de um teclista, convidaram-me. Antes, tinha feito o som deles em alguns dos primeiros concertos. Fui quem fez o som do espectáculo no Orfeão Velho. A certo momento, sugerilhes que arranjassem um técnico mais conhecido e acabei por me afastar. Eles fizeram a Toilet tour e depois fizeram o concerto no Pavilhão Atlântico. Foi quando falaram comigo para ir com eles apoiar nos teclados. Acabei por ficar até ao fim. Foram tempos incríveis. Lembrome de tocar nas ilhas e sair com um cordão policial… chegou ao ponto de o David ir comprar queijo ao supermercado e anunciarem que ele estava a comprar queijo, no sistema de som interno. Formava-se uma multidão no corredor dos queijos. Quando o David optou por uma carreira a solo, precisava de uma pessoa para fazer a ligação entre ele e os músicos, um director musical. Fizemos audições e tivemos uma sorte incrível com os músicos da banda, o que me dispensou desse papel. Aposto que há gente que se lembra da Rita Redshoes a tocar piano com o David e não se lembra de mim. Os meus amigos músicos gostam de achar que tive um papel preponderante nessa coisa do David, mas não é assim. Aquilo vem tudo da cabeça dele, que é o criador e grande motor de tudo. O dom que tenho talvez seja o de pôr as pessoas a tocar em conjunto. A minha paixão mais duradoura é a música. Estou sempre à procura de coisas novas para ocupar a cabeça, seja compor, seja gravar.
Perfil
O “engenheiro” do som
Rodeado de sintetizadores, teclados de 1970, órgãos e bobines de fitas, Paulo Mouta Pereira, 45 anos, recebeu o JORNAL DE LEIRIA, no seu estúdio caseiro, enquanto finalizava Drifter, o mais recente disco da banda de Leiria, First Breath After Coma.
Quem o conhece, diz que é um perfeccionista, mas ele é também um experimentalista, sempre a adaptar e a alterar instrumentos antigos, em busca de novos sons.
Foi o quinto membro dos Silence 4, quase desde a formação da banda, mas a aventura da música começou antes, no tempo do liceu, quando um amigo do pai lhe deu uma melódica, um instrumento de sopro, com teclas.
No primeiro dia, tocou logo uma música e os pais pagaram- -lhe aulas de órgão.
No liceu, teve uma banda com Rui Costa, futuro baixista dos Silence 4, e Fernando Lopes, futuro Do amor Y outros demónios e chegou a tocar numa banda de baile.
“O primeiro cachet que recebemos serviu para comprarmos um alguidar de camarão e cerveja.”
Quando chegou o tempo de escolher o curso superior, era para ter ido para engenharia, mas os pais sugeriram-lhe música.
Foi para o Conservatório estudar Piano e formação musical. Esteve na banda de David Fonseca, em Do amorY outros demónios, Quem é o Bob? e Malevolence.
Hoje, a produção de boa parte dos álbuns das novas banda de Leiria passa-lhe pelas mãos.
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